quarta-feira, 8 de junho de 2011

Façam-me o favor!!

E agora? Não tem táxi aqui...terminei uns exames e sinto fome, quero ir para casa. Minhas pernas estão geladas e inchadas. Olhei a minha esquerda o shopping em diagonal com o hospital. Pensei: "dá pra ir, será?". Bom, não tinha escolha, vamos lá. Virei à esquerda e fui pela calçadinha interna do hospital. Em menos de 5 metros eu descobri que tinha que fazer o "alinhamento e balanceamento" da minha cadeira de rodas!!! Ela está puxando para a esquerda. É, cadeira de rodas facilita muito sua vida quando você não anda, sabe? O problema é quando ela tem vontade própria e quer decidir a vida dela, porque a minha vontade era somente chegar naquele shopping se ela não se importasse!!! Enquanto eu estava retrucando e a manuseando, vinha uma colega cadeirante em minha direção. A calçada estreita, pensei: é agora, vamos colidir!!! Não vou ser mais somente "para" e sim "tetra" ou quem sabe até "penta". Deixei meu drama de lado junto com minha cadeira...fiquei à beira do precipício (era apenas na borda do meio fio! Dá no mesmo!). Mas...nada aconteceu. Quando levantei os olhos, vi uma rampa! Aliás, vocês sabem o que significa uma rampa? Rampa é uma ferramenta arquitetônica de menor tortura que as escadas para ligar dois pontos em alturas diferentes. Os arquitetos entediados, acharam por bem se divertir e criaram astuciosamente vários graus de dificuldade: inclinações diferentes, curvas sinuosas e as vezes alguns solos trepidantes! Pensei: se eu escapar deste penhasco, poderei de todo jeito morrer do coração! Exagero a parte, nada disso aconteceu. Mas descreverei: se você não tiver um amigo que use uma cadeira de rodas, experimente subir uma ladeira, sentado em uma cadeira de escritório (com rodinhas, é claro), sem tocar o chão. Use dois bastões de apoio no solo para deslocar-se e me digam o que acontece quando as rodinhas param de deslocar-se para frente. Sufoco! Minha mão esquerda começou a doer muito, criou um calo, mas eu não podia ficar ali na metade do caminho esperando Godot! Consegui, enfim! Se vocês não estão mais aguentando essa leitura, imagine eu para percorrer esse trajeto! Gastei 13 minutos em um trajeto que se gasta 5 segundos para quem anda. Esperei a parada cardíaca, mas como ela não veio, pensei "o jeito é continuar...mas agora é moleza, calculei: plano até a entrada do shopping e uma rampinha curta lá mesmo...tenho ao todo 2 vias de mão e contramão, ou seja, 4 pistas". “Cê que pensa”... tenta atravessar a 1ª rua...os carros tendo a opção de seguir reto ou entrar à direita e você lá, com a mão na roda tentando adivinhar o que eles vão fazer. Aliás, de onde tiraram mesmo que a expressão "uma mão na roda" é coisa fácil, hein? Fala sério! Vou lá ... o jeito é tentar o suicídio e torcer para não dar certo...meti a cara e atravessei quase fechando os olhos! Quando vi...tinha que subir aquele meio fio pseudoacessível do canteiro para ir para o 2º round! Aí sim, a mão na roda apareceu dizendo "quer ajuda?" Eu quase disse "Quero por favor, você pode me levar nos braços!!!?". E aí fui guiada até a porta do shopping. 25 minutos para atravessar a rua! FAVOR Nº 1: sempre perguntem a uma pessoa com deficiência se ela precisa de ajuda. Pode ser que ela recuse, mas pode ser que precise também. Eu ia apenas pegar um táxi naquele shopping, mas nessas alturas dos acontecimentos, eu precisava IR AO BANHEIROOO!!! E é claro que o banheiro de deficientes estava sendo usado por uma pessoa que anda (um andante, a partir de agora). E pela demora, ela só podia estar muito mal! Como fazer quando precisamos fazer xixi e não podemos "andar" para um lado e outro para passar a urgência? Será que rolando a cadeira pra lá e pra cá dá certo? Matem sua curiosidade: não dá certo. Fiquei pensando na tal "bolsa" do cara lá do corredor da radiologia. Eu não usava a bolsa porque minha bexiga é neurogênica (retinha em princípio grande quantidade de urina). O problema é o mal-estar que se instala. Suor frio, dor de cabeça, um pouco de tontura quando a gente tem que fazer o esvaziamento vesical, ir ao banheiro em função da quantidade de água ingerida e não vai. Enfim, a criatura andante saiu do banheiro! E de fato! Descobri qual era seu problema! Aliás, ela o deixou registrado de lembrança no vaso, caso eu tivesse alguma dúvida! Era exatamente o que podemos chamar de uma "obra" de arte! Como não posso mais "flutuar" sobre os vasos sanitários como fazia nos banheiros públicos, decidi procurar outro banheiro adaptado. Aliás, deixo registrado: a higiene nesse processo de esvaziamento é uma condição muito séria para evitar infecções em pessoas com deficiência. FAVOR Nº 2: Não usem banheiros adaptados se você não tiver uma deficiência que justifique! (ps.: deficiência não se estende a alguém que está apertado, tá? E aposto que você já fez isso!). Saí dali desesperada! O próximo banheiro era no andar de cima, claro. Fui para a frente do elevador tentar minha sorte. O elevador chegou enfim, mas estava lotado e ninguém ia descer ali. Não havia espaço para a minha cadeira, portanto, não consegui entrar no elevador. Não preciso dizer que esperei 3 vezes o elevador subir e descer, não é? FAVOR Nº 3: Se você estiver no elevador lotado e um cadeirante estiver do lado de fora esperando para entrar, saia de dentro do elevador e use as escadas rolantes, se você puder andar, porque ele não tem como fazer o que você pode fazer!!!! Entrei e enfim pude ir ao banheiro. Fiz o trajeto de volta ao térreo para pegar um táxi. Mas tinha um alecrim dourado estacionada na vaga de deficiente bloqueando a rampa de acesso, esperando o filhinho burguês comprar seu sorvete! Tinha fila para sorvete! Ela olhou e disse "é rapidinho". E eu ali, esperando que a vida dela se resolvesse. FAVOR Nº 4: preciso dizer esse?

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