sexta-feira, 1 de julho de 2011

O significado da espera

Teto de concreto, vigas delineadas. Eu, acomodada em minha forma, alojada em uma caixa de abelhas com janelinhas de favo de mel. Telefones soam, murmurinho de vozes, rodas dos carrinhos dos lençóis, passos sapateiam desfilando os descartes, bandejas removidas com os restos, alavancas rocam rebaixando as camas, cadeiras rugem suas rodas orquestrando a sinfonia da enfermaria. Lá fora os letreiros acordam nos prédios anunciando precocemente a escuridão. A quietude me abranda, a música apaga em mim desligando os olhos. Acendem-se cenas na minha tela interior.

Penso na história da espera do soldado pela princesa que o Alfredo contou para o Toto em Cinema Paradiso...

Alfredo: Era uma vez, um soldado que se apaixonava pela bela filha do Rei e que lhe confessa não poder viver sem ela. Mas como o soldado teria chance de casar-se com a filha do Rei? Como prova desse sentimento, ela pede para ele esperar 100 dias e 100 noites embaixo da sacada de sua janela. Com chuva, vento, neve, surrado por pássaros e abelhas, ele estava lá, sem se mover, a esperar, “passoapassodiadia”, sob o olhar vigilante da princesa. Depois de 90 dias, ele estava todo ressecado, rachado das intempéries, sem forças e ela, a espreita, a olhá-lo. No 99º dia, ele se levantou e partiu ...

Toto: Mas por quê? Ele estava tão perto?

Alfredo: não me pergunte o significado, eu não sei.

Lembrei do primeiro livro de verdade que li na vida: “O menino do dedo verde” do Maurice Druon. Nesse livro havia uma frase que dizia: “é sempre perigoso zangar-se com aquilo que não se compreende”. Eu não entendia essa frase. Eu li esse livro quando eu tinha 6 anos. Perguntei a minha mãe o que aquilo queria dizer. Ela disse que quando eu fosse mais velha, entenderia. Lembro de ter ficado bem chateada, porque se não era um livro para eu entender naquele momento, ela não poderia ter me dado de presente. Decorei a frase só de vingança e de vez em quando eu checava se eu já era mais velha o suficiente para entender. Sem querer, aquilo começou a ser um marco referencial de maturidade. Mas o tempo passou e eu fui me desligando dessa missão.

Mais tarde, já adulta quando morava em Brasília, um vendaval desses da vida estava acontecendo e me aconselharam contratar um cara para fazer meu mapa astral. No dia em que ele foi me apresentar o resultado, eu queria anotar tudo e ele disse:

- Não se preocupe em anotar. Você só vai reter o que fizer sentido para você agora e o que fizer sentido agora você nem vai precisar anotar porque vai entender de imediato. Se você precisar anotar o que não entender, a própria falta de sentido vai descartar de sua memória. Vai chegar um momento em que as peças vão se encaixar e sua interpretação dos fatos vai ganhar plenitude.

Nesse momento, eu tive a impressão de ter um déjà vu. Era a história do livro “O menino do dedo verde”. A frase veio imediatamente à memória e eu a entendi perfeitamente. Saí rindo.

Na história do soldado contada pelo Alfredo, ainda não chegou o tempo de minha maturidade para entendê-la e não sei por que tenho lembrado dela por esses dias. Talvez porque tudo toma forma em um momento e se desfaz no seguinte. Talvez por haver um frágil contorno na linha tênue da vida, e nesse processo somente as incertezas são tão seguras. Reflito sobre o mistério que a demora constrói dentro da gente. Tantos desistindo porque o fim talvez perca o sentido.


Um comentário:

  1. Tow ak na torcida...Sei que vai dá tudo certo!! Como vc escreve prof,Vc é F...
    Fico lembrando de um poema que vc fez pra uma dupla que estava apresetando o tcc sobre Educação Física e o Circo,vc fez ali,na msm hora..
    perfeito!

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