terça-feira, 16 de agosto de 2011

Não perca mais seu norte!

Quando eu era pequena, insisti para minha mãe comprar uma bússola. Minha grande descoberta em um desenho animado do professor Pardal. Achei a engenhoca fantástica. Na minha cabeça essa invenção impediria que eu nunca mais me perdesse dela. Bom, obviamente ela não se animou em comprar um equipamento tão sofisticado para uma menina de 5 anos, mas em contrapartida me confortou dizendo que a bússola era como um coração, que quando me sentisse perdida, conversasse com ele para me guiar. Mais tarde entendi que tinha sido uma tentativa poética de minha mãe querendo se livrar das minhas solicitações sem lógica ou então, uma sementinha plantada para reflexão futura...ou talvez, ela se orientasse dessa maneira. Não sei dizer, até porque abandonei essa ideia de ter uma bússola ou de substituí-la por algo que já morava no peito e que de fato, eu não poderia manipular. Tinha esquecido de tudo isso que veio à tona somente dois anos após a morte de minha mãe, justo no dia de me mudar para o Brasil em decisão "definitiva-temporária", depois de 13 anos longe do ninho. Não sei por que, lembrei dessa história de infância. Provavelmente por causa das dúvidas, incertezas, do desconhecido, das escolhas inevitáveis, das bifurcações que a nova vida poderia me trazer...  eu contei essa história sentada em um café para o amigo que iria me acompanhar na viagem de volta. Ele me perguntou: "você já teve uma bússola"? Eu ri...porque era muito em sentido figurado. Mas respondi "queria uma, mas que fosse para pendurar como um pingente. Teria que ser minúscula, pois é só para ser simbólica". Assim peregrinamos em muitas lojas de navegadores e nas esportivas, até acharmos um chaveirinho contendo termômetro e bússola. Extraímos a relíquia cuidadosamente quebrando o bloco de plástico em volta e voamos para o Rio de Janeiro na mesma noite. Dia seguinte, nos despencamos para um bairro nos arredores do centro. Ele parecia tão empolgado com a minha causa quanto eu. Invadimos uma rua entranhada de cubículos, salas minúsculas, apertadas e entulhadas de miçangas, paetês, lantejoulas, strass. Era o verdadeiro mercado de fragmentos para montagem de fantasias, um amontoado gigantesco de espeluncas. Procuramos de porta em porta por algumas horas alguém que topasse confeccionar minha "joia rara". Todos muito atarefados, mal me ouviam. Só me recomendavam sempre outro lugar, outra pessoa, até que contei minha história para um artesão. Era de meia idade, robusto, avermelhado com pelos saindo do nariz. O cenário de fundo repleto de restos de tudo, partículas minúsculas de brilhos empoeirados... teto carregado de vidrilhos de todas as cores, chão surrado, paredes encardidas, pouca luz. Um cenário inesquecível de filme: uma sala dentro da outra que era dentro da outra...um labirinto, caverna, túnel e nos fundos uma oficina. Ele tomou a bússola entre as mãos, com unhas escurecidas, braços manchados, coberto de suor. Puxou os óculos para a ponta do nariz. Examinou por todos os ângulos minha "herança". Apoiou os braços no ventre e disse olhando por cima dos óculos: "entre aqui, acho que dá pra fazer algo". Pegou uma moeda holandesa, acertou nela a dimensão da base da bússola. Muniu-se de alicate e martelo e manipulando-os criou o encaixe. Testou uma cola, depois ferramenta e cola novamente. O suor não tardou a escorrer pela testa. Assentou outro tipo de cola e nos olhou: "voltem depois, vai demorar". Assim fomos e voltamos uma hora mais tarde, já em volta do pescoço com o cordão predestinado a preciosidade. Percurso do combatente, um périplo. Ele me mostrou enfim a maravilha. Estava perfeita! Simples e significativa. Eu disse "não sei nem como agradecer. Pode dizer quanto, pagarei o que quiser, isso é muito importante pra mim". E ele me respondeu: "Não foi nada, eu é que agradeço a você por ter me deixado participar dessa história tão linda...não perca mais seu Norte, seja feliz".

4 comentários:

  1. Puxa... Acho que tô precisando de uma dessa!!! rs... Mais uma vez tocando meu coração. Obrigada por sempre me proporcionar emoções e reflexões que me fazem uma pessoa melhor. Tenho o maior orgulho de tê-la entre os meus entes queridos e de ser o exemplo que és pra mim e aos demais que te conhecem. Sigo na busca de um dia ser pelo menos um pouco da profissional espetacular e do ser humano extraordinário que és. Fã confessa da Dra. mais especial do mundo. rs... Grande beijo.

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  2. Show,show, show!! Maravilhoso o que li..

    Embasbacada.. Cheiro

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  3. Uma bússola, um pingente, um norte, uma intuição, um coração que orienta. A luz está acesa, e brilha, brilha de acordo com o sentido que eu der a todas as coisas! Um beijo pra você, Kal.

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  4. Muito lindo !É tão bom quando a nossa sensibilidade encontra eco!!!!

    Angela

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