O mundo segue girando. O sol
mudando a sombra de um lado para o outro e tudo passa despercebido. Os
noticiários continuam mostrando gráficos e índices de acidentes
automobilísticos com vítimas, anunciando casos de mergulhos malsucedidos em
águas rasas...mais pessoas têm seus movimentos diminuídos, provocando mais
readaptações, mais isolamento, mais mudanças de planos e tudo o que disso
decorre...surgem então os novos soldados que descobrem a falta de
acessibilidade e de humanidade. Afinal, tudo o que foge da padronização, todos que
são diferentes das convenções, devem se curvar a uma forma adaptada de vida...e
o gesto ou a condição que permite isso, é chamado de inclusão. Novos discursos
de inclusão se formam e eu penso: Inclui-se o que ainda não foi inserido ou que
foi naturalmente excluído. Porém, inclusão deveria ultrapassar este
entendimento de sentido único...deveria ser um termo positivamente
"ambíguo"...porque também é necessário incluir-se na vida do outro,
mão e contramão, ida e volta. Incluir-se, também é experimentar o ônus e o
bônus de quem foi modificado. Afinal, vivenciar o outro, faz perder o senso de
discriminação, sem precisar, no entanto, eleger os protagonistas heróis nem
coitados. Por essa razão, dedico esta escrita aos que sempre estiveram comigo,
independente da condição em que eu estivesse incluindo-se em minha vida...e
assim faço uma homenagem ao Guigo... o andante que batizou esse humanizado
"movimento" de partilha de "Inclusão reversa".
Passo a passo
Para você que não sabe por onde "ando"..siga a evolução de cada centímetro de inércia do movimento das pernas.
segunda-feira, 9 de setembro de 2013
Experimente a "Inclusão reversa"
domingo, 21 de julho de 2013
A porta que reabre, o processo do recomeço
Depois de longo sumiço, reapareço
recontando a estrada. Esta poderia enfim ser a última postagem da sequência de
um parêntese aberto...mas é somente um dos lados da mesma ponte. Travo
fragmentos desses momentos talhados na memória e de inédito, só mesmo o mistério
do desconhecido...ou quem sabe, o primeiro dia em que a "porta da
rua" se reabriu para mim. Dedico, portanto, este "retalho" aos
que recomeçam todos os dias e carregam nos braços a "esperança de
óculos"...a todos aqueles que passam despercebidos ou deixam inexplicavelmente
escapar-se por um triz, apesar do algo incontornável e imprescindível...aos que
não têm escolha e aos que escolhem, sem fugir...a todos aqueles que permanecem
um eterno parêntese aberto...a todos "os meus"...dedico este
encadeamento de imagens a esta sensibilidade íntegra que nos aproximou. De
fato, "o fim é uma forma de recomeçar"...e é assim, minha vida
segue...
quinta-feira, 12 de abril de 2012
Hoje é 12 de abril...faz um ano
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
Quando a vida arde...
O óbvio prega peças...leituras,
vozes, concentração, clique de telas, dedos correndo nos teclados...prazos,
datas, agenda, calendário...tenho que cumprir...a rotina voltou com força para
os meus braços e eis que é muito bem-vinda... Consegui alcançar o trem da
história que havia partido sem mim. Tudo mudado...alguma coisa tomou outro tom,
estranha linguagem, obsoleta tradução. Os sons precisos se amortecem longínquos
vez em quando, dando lugar a pensamentos, sentimento de distância, recuo. A
vida não se importa quando nos sentamos na borda para refazer o fôlego porque ela
segue impiedosa, voraz, apressada. Fui ali, encolhi-me em uma bolha e quando
voltei, retomei a sequência, perdi o fio da meada... sem entender o que
aconteceu nos capítulos estagnados de minha vida. Uma linha tênue, rasa, reta,
morou na lacuna como um traçado morto, sem ação nem vida. Juntei o amontoado de
papéis sobre a mesa, encaixei os livros na mochila e já nem ouvia mais os
recados, os afazeres. Meu olhar vago no horizonte curto. Lembrei do clima da
volta do Noland interpretado pelo Tom Hanks que foi o náufrago solitário vítima
de um acidente aéreo, resgatado depois de 4 anos, confinado naquela ilha deserta.
Tudo tão sem significado, tudo tão diferente de antes...antes do acidente ele
só pensava em bater recordes vencendo o tempo...quase isso em mim...irônico,
mais uma vez...sigo, me despeço, digo "ok" para todos os afazeres,
compromissos, obrigações. Saio sem pressa, andando por aquele lugar tão
familiar e ao mesmo tempo tão modificado. Cumprimento alguns passantes como se revisitasse
um set de filmagem. Atravesso a catraca da saída, visualizo na frente do prédio
a vaga para portadores de deficiente físico repleta de motos..."perdoe
porque eles não sabem o que fazem?". Espero sinceramente que eles não
saibam nunca um dia o que significa ter que ocupar aquele lugar por direito... "conquistar"
aquele "privilégio". Mas não resisti e falei para o motociclista que
estava chegando:
- Por favor, você pode não
estacionar aqui. Mas pode me ajudar a deslocar as outras motos?
- Mas é jogo rápido.
- Eu sei disso... a vida da gente
pode mudar bem rápido mesmo. De uma hora para a outra a gente guia uma moto e
depois vai para uma cadeira de rodas.
- Vixi que trágico. – disse ele
rindo e continuou:
- É só pra pagar uma conta, tô
atrasado e se estacionar longe, já viu, né? Vou ter que vir andando e gasta
mais tempo. Mas se chegar alguém aí você dá um grito e eu venho tirar a moto.
"Se eu tiver que vir andando"...nem
acreditei no que ouvi...um ensaio sobre a cegueira novamente...a civilização a
beira de um colapso...se ele não quer perder tempo fazendo aquilo que pode
fazer, imagina o tempo e o esforço que perde alguém que não tem escolha,
estaciona longe e vem tocando a cadeira de rodas ladeira acima porque ele não
pode chegar atrasado? Retomei a fala:
- Posso fazer uma pergunta?
- Diga. – disse ele, já fora da
moto.
- Se tivesse um guarda de
trânsito aqui, você se importaria de chegar atrasado?
- Aí já é uma questão de multa,
não sou otário e ia me virar. Por quê? Vai chamar o guarda, é?
- Não, não... era só para saber
mesmo o que tem valor na sua vida. Obrigada.
Meu mundo paralelo gritando...saí
andando sem olhar para trás...a vida arde.
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
Go Kalina!
Era sexta-feira, 15 de julho
quando me firmei entre moletas pela primeira vez. Já descrevi isso antes...mas
ainda não me convenci de ter transcrito a sensação na íntegra...passei dias
acordando durante a noite para verificar se minhas contrações eram reais ou
coisa de sonho, como aquela sensação do contrário do alívio. Sim, eu acordava
assustada para checar meu ganho motor. Acordava para saber se minha felicidade
tinha sido efêmera. Aliás, preciso ir além da descrição dessa sensação por
outra razão, por um detalhe fundamental e comovente. Estremecer no sensor das
forças, latejar os dedos dos pés na irresistível vontade de coçá-los com vigor
provavelmente por causa da circulação sanguínea espalhando-se nas artérias e revitalizando
a pele e tirando-me da estagnação. Nada disso, ou tudo isso, me resgata de
retorno a borda da vida. Mas anuncio... coincidência ou não, dois dias depois
de me colocar de pé apoiada nos acessórios, apesar do confinamento da
internação, "corri" colada nas costas de uma amiga de infância,
durante os 42km de uma maratona mundo a fora. Ela me "carregou"
durante 4 horas 13 minutos e 36 segundos em minha primeira maratona. Filmou na
retina paisagens do caminho, partilhou comigo sensações de superação, lado a
lado. Era dor, cansaço, emoção. Ouviu meu nome nos gritos dos anônimos durante
o percurso ..."Go Kalina!!!". E até uma cadeirante urrando palavras de
incentivo. Minha amiga ainda não sabia do meu progresso, nem dos meus sonhos de
poder avançar novamente no mundo de maneira autônoma, e quem sabe até, com as
próprias pernas...e mesmo assim, me arrastou em seu fôlego, como tantos outros
amigos e anônimos o fizeram a sua maneira...desde a intenção positiva, a
presença, as promessas, os pedidos em seus credos, a torcida permanente,
homenagens, sacrifícios.
"Tem coisa que não tem
nome"...não posso chamar apenas de "substituição" o ato de
alguns colegas assumirem todos os meus compromissos acadêmicos, em um semestre
em andamento, defendendo meu nome, e tentando imaginar como eu resolveria ou
faria algo se estivesse ali...eles me representaram...uma carga impensável de trabalho
somada ao que eles já tinham...não posso chamar somente de
"solidariedade" o fato de ter me carregado no colo pra o banho, pra o
sono, médico ou fisioterapia, pra vida, ver o mar, pessoas
importantes...cuidado com tanto afeto de meu cachorrinho lhe suprindo qualquer
vazio ou dúvida sobre minha volta pra casa, pensado em um travesseiro melhor,
almofada adaptada, proteção contra escaras, óleos para hidratar a pele, ou
outros acessórios para meu conforto, provido meus armários de alimentação,
dirigido meu carro, empurrado minha cadeira, exercitado minhas pernas por mim,
resolvido minhas burocracias de trabalho, estudo, vaga na internação, passagem
aérea, mudança de apartamento. Não posso nomear somente de
"acolhimento" o que aconteceu em Brasília... o "berço" preparado,
o café da manhã, a privacidade e respeito por meu silêncio quando minha alma só
queria calar a dor...companhia, saídas, carinho, ...como a passagem sincrônica
de um bastão. Meus "cuidadores" em Pandora...de treino a treino,
remédios, escuta, comida. Meus visitantes, indefesos diante do novo
estranho...não tenho a menor capacidade de descrever os olhares distantes e
silenciosos, a alegria evasiva de meus companheiros avatars com quem aprendi o
significado da continuação, esperança no perdido e paciência na demora. Não
tenho como esquecer o incentivo dos que me fizeram falar, e exigir a criação do
blog para ter notícias minhas. Não tenho meios para definir o valor disso tudo.
Não sei conceituar o perdão concedido por todos eles a meu isolamento, a minha
retração, meu choro irritado. Só sei que causei preocupação e tristeza a quem
só merecia minha alegria. Então, hoje presto minha sincera homenagem a todos,
sem exceção, que se sentiram e estiveram de alguma forma perto de mim, me
trazendo nas costas como essa maratonista valente que configurou metaforicamente
cada um deles, com todo esse sentimento de carinho, pelo qual serei eternamente
agradecida. Go Kalina! E eu fui!
A você Van, por ter dado um nome ao que não tem nome, por ter representado o gesto de cada protagonista de meu trajeto e descrito com sutileza em nome de todos, o valor da partilha e amizade.
Fechando o parêntese...vírgula
Não, ainda não acabou...meu manuscrito está vivo como meu coração firme. Não abandonei o passo. Foi apenas uma pausa, na tentativa de alcançar a vida sem perder o fôlego. A volta, o aeroporto, reencontros, surpresas, choros. O cheiro de meu cachorro de volta pra mim. Dias seguiram...rotina, trabalho, amigos, casa nova. Recuo como em um filme. Tenho vontade de ganhar o mar. Tanto a fazer e mal sei por onde começar. Joguei fora as preocupações patéticas do antigo futuro, me desfiz do que não me cabia mais. Leve, sem amarras, seguindo. Trago coragem e planos. Tenho sede de justiça pelo respeito aos que têm prioridade e esperança nas mentes que sonham e lutam em tornar andantes aqueles que perderam seu passo...nem heróis nem coitados dos quais faço parte porque também fui ferida pelas fatalidades, e respingou em mim para sempre. Revi minhas queixas e raspei as estampas sem cor. Agora vou tocar o rumo, sem tormento porque "Minha arte é brincar de renascer".
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Tire a mão da barra
"Tire a mão da
barra"...um start me autorizando a ir em frente sem medo...apostar no
equilíbrio certeiro, no passo firme, determinação para tocar em frente, sem
dúvida. Entender o silêncio, o gosto da lágrima, a espera. Querer o incerto,
reavivar a alma sem perder o prumo, sem ceder a tarde. Em um segundo minha vida
muda, desaba...eu era de um jeito e fiquei sem ele. A lucidez é ácida...
"Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço"...extrato de
um filme e esse é inédito... e sem encarte nem sinopse...as imagens vão
nascendo com um segundo de antecedência...coração me enchendo por dentro...os
momentos precedentes ainda ecoavam na minha mente...assim entrei na sala. Eles
eram 12 e entre eles meu médico. Atravessei a sala em linha reta.
- Onde você mora? – Indagou o
médico-chef, imagino eu.
- Em Natal.
- No aeroporto de lá, a saída do
avião se faz por finger ou no pátio?
- Finger...
- Ah...assim não tem graça... – Ele
riu em seguida e eu também!
Creio que recebi alta. Depois de
uma hora de conversa, saí. Os corredores pareciam sem fim. Eu com pressa de
viver. Choro e riso. Vontade de decolar. Recebi muitas restrições, obviamente.
Mas todas elas me devolviam a vida, sem mesquinharias. Muitas perguntas me
foram feitas e as respondi como se as respostas já estivessem prontas desde o
começo de minha vida ou em seu recomeço.
- "Vocês sabem tudo sobre
lesão medular, têm uma experiência indiscutível e incontestável. É importante fazer um dia de treinamento na
pele de um paciente LM, vivenciando sua vida. Isso dá certamente a ideia do
nível de dificuldade que passamos na rotina. Mas ainda assim, não conhecem a
condição de uma pessoa com lesão medular".
- Você deveria abrir um blog. – disse
uma médica. Mal sabia ela que isso aqui já me contava.
- Sua recuperação foi
inacreditável. Como você vai dizer para as pessoas?
- Eu tenho que dizer primeiro para
mim...Renasci dos escombros, bem mais forte e voraz.
"Não perca sua segunda
chance, você caiu pra cima!”.
Não vou desperdiçá-la. Pode
deixar. Meu caminho tem outro Norte e vou trazer sempre comigo o que me
modificou. Não me esqueço do que me machucou, mas não vivo disso. Vivo do que
me dá verdade e sentido. Não vou perder de vista cada centímetro que me
arrastou, cada segundo que me construiu, cada gota de suor e respeito a dor. A
solidão é mesmo calada. Vou voltar para casa...diferente...não ilesa...não
imune...uma alegria constrangida...feito um soldado que volta de uma guerra,
deixando seus companheiros no terreno de batalha, na luta, já cheios de marcas
e limitações. Estarei entre dois mundos, confrontando desejo e realidade. O que
farei de quem me transformei? O que eu faço de quem me tornei? Não sei...eu só
sei que "me vejo o tempo todo começar de novo"...e sou e tenho tudo
pela frente...O começo do recomeço ...e...tirei a mão da barra.
terça-feira, 16 de agosto de 2011
Não perca mais seu norte!
Quando eu era pequena, insisti para minha mãe comprar uma bússola. Minha grande descoberta em um desenho animado do professor Pardal. Achei a engenhoca fantástica. Na minha cabeça essa invenção impediria que eu nunca mais me perdesse dela. Bom, obviamente ela não se animou em comprar um equipamento tão sofisticado para uma menina de 5 anos, mas em contrapartida me confortou dizendo que a bússola era como um coração, que quando me sentisse perdida, conversasse com ele para me guiar. Mais tarde entendi que tinha sido uma tentativa poética de minha mãe querendo se livrar das minhas solicitações sem lógica ou então, uma sementinha plantada para reflexão futura...ou talvez, ela se orientasse dessa maneira. Não sei dizer, até porque abandonei essa ideia de ter uma bússola ou de substituí-la por algo que já morava no peito e que de fato, eu não poderia manipular. Tinha esquecido de tudo isso que veio à tona somente dois anos após a morte de minha mãe, justo no dia de me mudar para o Brasil em decisão "definitiva-temporária", depois de 13 anos longe do ninho. Não sei por que, lembrei dessa história de infância. Provavelmente por causa das dúvidas, incertezas, do desconhecido, das escolhas inevitáveis, das bifurcações que a nova vida poderia me trazer... eu contei essa história sentada em um café para o amigo que iria me acompanhar na viagem de volta. Ele me perguntou: "você já teve uma bússola"? Eu ri...porque era muito em sentido figurado. Mas respondi "queria uma, mas que fosse para pendurar como um pingente. Teria que ser minúscula, pois é só para ser simbólica". Assim peregrinamos em muitas lojas de navegadores e nas esportivas, até acharmos um chaveirinho contendo termômetro e bússola. Extraímos a relíquia cuidadosamente quebrando o bloco de plástico em volta e voamos para o Rio de Janeiro na mesma noite. Dia seguinte, nos despencamos para um bairro nos arredores do centro. Ele parecia tão empolgado com a minha causa quanto eu. Invadimos uma rua entranhada de cubículos, salas minúsculas, apertadas e entulhadas de miçangas, paetês, lantejoulas, strass. Era o verdadeiro mercado de fragmentos para montagem de fantasias, um amontoado gigantesco de espeluncas. Procuramos de porta em porta por algumas horas alguém que topasse confeccionar minha "joia rara". Todos muito atarefados, mal me ouviam. Só me recomendavam sempre outro lugar, outra pessoa, até que contei minha história para um artesão. Era de meia idade, robusto, avermelhado com pelos saindo do nariz. O cenário de fundo repleto de restos de tudo, partículas minúsculas de brilhos empoeirados... teto carregado de vidrilhos de todas as cores, chão surrado, paredes encardidas, pouca luz. Um cenário inesquecível de filme: uma sala dentro da outra que era dentro da outra...um labirinto, caverna, túnel e nos fundos uma oficina. Ele tomou a bússola entre as mãos, com unhas escurecidas, braços manchados, coberto de suor. Puxou os óculos para a ponta do nariz. Examinou por todos os ângulos minha "herança". Apoiou os braços no ventre e disse olhando por cima dos óculos: "entre aqui, acho que dá pra fazer algo". Pegou uma moeda holandesa, acertou nela a dimensão da base da bússola. Muniu-se de alicate e martelo e manipulando-os criou o encaixe. Testou uma cola, depois ferramenta e cola novamente. O suor não tardou a escorrer pela testa. Assentou outro tipo de cola e nos olhou: "voltem depois, vai demorar". Assim fomos e voltamos uma hora mais tarde, já em volta do pescoço com o cordão predestinado a preciosidade. Percurso do combatente, um périplo. Ele me mostrou enfim a maravilha. Estava perfeita! Simples e significativa. Eu disse "não sei nem como agradecer. Pode dizer quanto, pagarei o que quiser, isso é muito importante pra mim". E ele me respondeu: "Não foi nada, eu é que agradeço a você por ter me deixado participar dessa história tão linda...não perca mais seu Norte, seja feliz".
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
Eu, esperando por mim
Desci, era cedo. O ascensorista
me sorriu. O som do elevador cantarolava uma canção antiga,
melancólica..."silêncio e sons". O dia parecia não ter acordado. Revi
meu programa da jornada...preenchido...TF, musculação e psicologia.
- Bom dia. Hoje às 14h a equipe
quer ver você. Vão discutir dois casos e um deles é o seu. Mas chegue na hora. –
disse meu terapeuta funcional).
-É, já sei, vou sim. É no
laboratório de movimento, não é?
- Isso. Mas vamos ver se hoje
você já vai sem a bengala.
- Andar assim sem a bengala? Mas tenho
que treinar porque nunca fiz isso...
- Você tá carregando a bengala
já. Vamos ver, hoje você caminha entre as barras.
Meu corpo tremeu inteiro. Tive a
impressão de ficar tonta. Deu um zumbido no ouvido. Suei frio. Parecia que a
cor sumia em dégradée, vindo da cabeça até os pés. Tudo ficou lento e os sons
se apagaram. Pensei que era o teste final, o começo do fim, o antes do recomeço.
Era como qualquer coisa que me largava em uma estrada estranhamente familiar,
no meio do filme, sem paraquedas... o frio na barriga, chaud au coeur (coração
aquecido), plexo solar assanhado como um rastro crescente e redondo deixado por
uma pedra lançada no meio do lago. Algo em mim "movendo a água
abandonada"... o chão parecia um abismo de tão distante de mim. O cérebro
descoordenado, balbuciando os ajustes. Estou descrevendo a sensação porque
poucas pessoas vão saber o que significa perder e recobrar. Então, leia...
Olhei do alto para meus pés, sem me curvar. Os olhos esticaram para medir o espaço. A bengala grudada na mão...meu sensor, meu guia, meu apoio...a hora da despedida, a volta a autonomia. Talvez ela me dissesse "a estrada é sua, não precisa mais que eu dite os buracos pelo mundo a fora"...memórias retalhadas de emoção. Em frente, o espelho...e nele alguém familiar...eu, ali, refletida, em pé, esperando por mim.
Sobreviver no desafio
Ok...nem dá para esconder de que
estou me esquivando...evito falar sobre minha condição sobre o
"andamento" de minha vida. Estou progredindo, mas há uma rediscussão
sobre a possibilidade de minha cirurgia na cervical...é, novamente. A equipe
médica vai se reunir e estarei convocada para participar e ouvir o anúncio final
da decisão. Estou fazendo também um diário miccional que é uma espécie de
registro da quantidade de urina expelida. Em seguida, a enfermeira passa um
aparelhinho para observar o comportamento da bexiga. Esse procedimento é necessário
para avaliar minha função vesical e saber se estou apresentando urina residual.
Também vou repetir um exame: potencial evocado motor para membro superior para
identificar algum eventual comprometimento já que a ressonância apresenta uma
compressão medular. Eles precisam desses dados para visualizar o estado geral e
avaliar com maior profundidade a necessidade de intervir de forma cirúrgica.
Não consigo dormir por causa da ansiedade da resposta. Ansiedade por medo de
escapar os ganhos motores durante o sono. Como se o estado de vigília fosse capaz
de me manter em movimento e prolongar a realidade atual. Em volta, meus amigos
recentes estão aprendendo autonomia, ajustando algumas disfunções, tocando a
vida, mesmo com avanços motores estagnados. Eu estou preste a deixá-los em seus
avatars ou a me eternizar na recuperação de uma eventual cirurgia. O tempo
martela no coração arrebatado. Grito preso de angústia e de alegria. Em um
flash me vejo ganhando o mundo, vivendo os planos e em outro, me imagino
deitada, imóvel, sedada esperando minhas vértebras se reintegrarem. Resta
aguardar a decisão da equipe médica.
Enquanto isso vou revendo meu percurso: desde os tubos da UTI...paraplegia traumática, movimentos distais discretos e débeis escapados de uma tetraplegia que ainda me ameaça potencialmente, esboço de contração no quadríceps no meio de um alongamento, força gradativa, theraband, andador, duas moletas, uma moleta, bengala...três meses...ainda não acredito...mal consigo concretizar essas imagens na minha cabeça, esses movimentos...você não tem a menor noção...é indescritível... Não devo mais temer nada... a vida segue, não importa o que houver. Não sinto saudades de mim, sinto falta de viver de outra maneira...de realizar as vontades que desfalquei, de desenterrar as ideias, de resgatar os rascunhos da lixeira, de queimar o manual de instrução, de virar a página, apagar as manchas, de traçar e de seguir. Se eu "sobreviver", tenho um mundo pela frente. Tenho chances porque "mudei pra sempre". Aprendi a distinguir cuidado e medo, esperança e expectativa, diferença e desigualdade...o valor justo de cada coisa, a voz do silêncio, o tamanho do passo, a fragilidade da vida, a representação da presença...e não duvido do desafio porque ele me cabe e me constrói...
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
Einstein, Dalí, Gandhi e Arafat no elevador quebrado do "teatro do absurdo"!
terça-feira, 9 de agosto de 2011
Escolha saltar com os dois pés na água!
Hoje fez muito frio. Meu corpo
tremeu. Vejo meus pés se moverem, as pernas mais firmes. Tenho uma sensação
indescritível e muita vontade de chorar de alegria. Subo para o banho quente e
coberta. Como eu queria que meus parceiros aqui tivessem a mesma evolução que
tenho vivido. Por que as preces alheias não funcionam para todo mundo? Será que
é porque aguento sofrer menos que eles? Visualizo fora daqui meus projetos,
planos, vida. Preciso retomar o rumo. Mas as coisas têm outro sentido, outro
gosto, outro valor. Começo a não me reconhecer mais no timbre das horas. Quando
eu voltar pra casa não sei que língua vou falar porque tudo tem outro
significado. Conheci pessoas que me mudaram para sempre. Nossas vidas bifurcaram
as linhas de trem para o mesmo lugar e acabamos partilhando o mesmo vagão, na
mesma viagem. Cada um com uma história guardada na mochila. Meus olhos deslizam
em volta, contornam a penumbra, afagando de longe meus cúmplices. As vozes me
invadem, me buscam lá no fundo.
"Perdi minha mãe e irmã e
fiquei paraplégica em um acidente de carro na volta do enterro de minha
avó"...
"Eu estava grávida de 7
meses...bati o carro, esperei 15 dias para o parto e só então fiz a cirurgia da
coluna porque era a única chance da minha filha sair com vida...e saiu"...
"Na hora que caí do cavalo
eu sentia tudo...meus braços, pernas, mas muita dor. Aí os caras vieram
correndo e me colocaram em pé...depois disso não senti mais nada, mas não
desmaiei"...
"Um cara me trancou, não
gostei, desci do carro e discuti...voltei pra o carro e segui estrada. Lá na
frente, ele me cercou e atirou no meu pescoço...ele já está solto e eu preso
aqui, sem me mover"...
"Minha moto derrapou e eu
entrei na parede...eu nem ia sair de casa"...
"Eu caí em uma cachoeira,
estava acostumado, mas escorreguei"...
"Eu estava dormindo no banco
de trás na hora do acidente, fui jogado, não tive como me defender da
pancada"...
"Eu mergulhei e bati com o
queixo com toda força no chão"...
“Eu estava no banco de trás. Era
o único com cinto de segurança. Um carro veio pela lateral, todo mundo foi
arremessado para o lado, menos eu. Ninguém teve nada grave, mas eu fiquei paraplégico”.
Tantos, muitos, outros. A enfermaria
silenciava. Tudo calado nesse mundo de imagens e eu aqui, tentando editar o
trecho que mudou a vida de cada um. Será que tudo isso é aleatório? Então nem
adianta prevenir com atitudes sensatas? De fato, algumas coisas nos escapam
mesmo quando somos cuidadosos e então a gente se consola com o clássico generalista:
"era porque tinha de ser". Mas estatisticamente a prevenção dá
melhores resultados. Penso em tudo que poderia ser evitado: bebida, celular,
velocidade, sono e falta do cinto de segurança no volante. Confesso que me
sinto uma idiota falando sobre isso porque eu sei que não vou atingir nada nem
ninguém. Afinal, por que razão meu desabafo surtiria algum resultado mágico? A
comunicação em massa, muito mais incisiva como suas campanhas publicitárias, repetitivas,
comoventes, brutais e algumas vezes até apelativas para ver se consegue chocar
ou arrancar algum efeito positivo na imprudência humana... ainda assim são
infrutuosas! Imagina esse roteiro aqui, banal e saturado. Mas sou eu que estou aqui
dentro escrevendo e você aí do outro lado me lendo. Estou em condição de dizer
pelo menos algo com propriedade, não acha?
Não tenho a menor pretensão de
mudar o mundo com essa postagem, afinal eu sou lúcida o suficiente para não
formular metas tão inatingíveis assim. Mas não posso calar a urgência e meu
propósito é simples: dar a você uma razão para construir atitudes que reduzam a
possibilidade de alguma fatalidade que limite sua condição física. Verdade,
você não tem poderes para controlar a manga que cai na cabeça, a bala perdida
no seu pescoço, a tartaruga no meio de seu mergulho, a cabeça no teto do carro
depois do quebra-molas inesperado, a arquibancada escorregadia, o vírus
contraído no sushi ou na lagoa.
Mas pode, por exemplo, começar a obedecer às leis de trânsito, pelo menos as que preservam a vida, porque seu dinheiro não vai pagar a "multa" se o dano for em você ou em outra vítima! Pode também escolher não mergulhar de cabeça em nenhum lugar a não ser que esteja em uma competição de natação ou trampolim! Salte com os dois pés na água, é mais seguro! Faça você uma campanha com essa informação! Não precisa gritar no facebook. Fale com dois amigos, olhando no olho. Peça pra eles falarem para dois amigos. Mergulho é a segunda causa de lesão medular! Por que não vejo isso na televisão!!!? É simples, é uma frase! E evite brincadeiras na borda da piscina, não estrague justamente a festa de ninguém. Quando encontrarem alguém machucado em um acidente, chame o socorro imediatamente, e não se aventure a tocar a pessoa se não conhecer a técnica de resgate. Mesmo que a intenção seja das melhores, você pode provocar a lesão justamente quando manipula a posição da pessoa, ou durante o deslocamento, transporte ou coisa do gênero. E o pior, se só você fizer tudo certinho, ainda corre o risco de se confrontar com alguém que não leu nada disso ou até lê sobre o tema e assiste reportagens na televisão, mas no dia seguinte está de volta as estradas pensando no atraso, no compromisso ou tendo a certeza de que quando bebe torna-se ainda mais atento. Ou que tudo isso é besteira e não há de acontecer nada porque se acha o super-homem (e mal sabe como ele morreu!!). e se você ousar repassar a mensagem para alguém assim, ele pode dizer que é sensacionalismo apelativo. Engraçado... tenho que rir da tristeza, da ironia, do desolamento. Aqui estou rodeada de vida real, de pessoas que moram na esperança da ciência, na demora do nem se, nem quando. Sentados nessas cadeiras, os corações batem, a rotina segue, a vida continua. Retoma-se o prumo todos os dias, fazendo o que se pode com o que se tem. O resto, é sem escolha. Se você ainda tem sua chance de escolher, agarre-a, preserve-a e proteja sua vida. Se não tem mais essa chance de modificar a eventualidade, o dano definitivo ou temporário causado pelo "aleatório", faça algo para impedir que outros conheçam o que conhecemos. Estamos em 2011. Não sei se daqui a 5 ou 10 anos teremos contribuído para evitar que mais alguém se machuque. Na dúvida, alerte: Escolha saltar com os dois pés na água!
sábado, 6 de agosto de 2011
Ainda há tempo: não perca suas meias
Quando era pequena eu acreditava
ter criado uma "teoria". Sempre que eu procurava muito um par de
meias, em uma pressa desesperada - mas não era qualquer par de meias, era
aquele que combinava com os tênis, com a saída e não "cabia" outro -
obviamente, não o encontrava e tinha que ceder a um outro sem
"graça", ainda que solidário, hiper útil, salvador até, porém tão
desvalorizado por causa da situação. Pois bem...dia seguinte, era a vez de
perder a chave da gaveta do escritório e dentro dela, estava o documento
importantíssimo para fazer a inscrição do...digamos...vestibular, pois aquele
dia seria o último prazo...ou, sei lá... a carteira do plano de saúde, pois a
consulta marcada há 3 meses aconteceria em uma hora. Sabe aquela busca louca
por necessidades específicas e insubstituíveis, deixando rastros do tipo
"um ladrão passou por aqui!?”. Adivinhem o que eu encontro ao invés da
chave? Claro!!!...é isso mesmo...o tal par de meias...o mais incrível: onde foi
parar a super importância daquele mísero par de meias?
Como em um dia, ele era o meu mais precioso tesouro e no outro ele tornou-se tão insignificante? Tenho a impressão de dar importância atrasada ou adiantada a algo, mas nunca com pontualidade...ou sou pontual sim, mas não dou o valor certo a cada coisa. Parece que tudo estava tão ali ao alcance que me dei ao luxo de adiar ou mesmo ignorar. O que isso tem a ver com o que estou vivendo agora? Foi essa a pergunta que lhe veio à cabeça? (não, minha lesão medular não afetou o cérebro). Se foi esse o questionamento, será que essa pergunta veio atrasada ou cedo demais? Bom...por via das dúvidas, eis-me respondendo em considerações: não se pode deixar para última hora a importância de algo imprescindível e incontornável. Desconfie que algo importante passa despercebido enquanto "as pessoas na sala de jantar estão ocupadas em nascer e morrer". Tenho tempo agora de perceber se as pernas funcionam, o caminho com rastros imaginários por onde eu deveria ter trilhado minhas marcas. Tenho tempo suficiente para não ter pressa para nada e enxergar os detalhes mais importantes. Ainda há tempo, fique atento. Não se procrastina a importância ou o valor das pessoas. Não se adia a relevância dos fatos. Não se protela o será necessário ou útil em algum momento. É importante? Então não perca suas meias...assim você não vai precisar procurá-las quando sentir frio nos pés.
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
Minha lesão parceira
Progressões óbvias a cada treinamento. Saí das moletas e agora só bengala na mão direita. Tônus que pulsa, pernas reforçadas, o cérebro é que cansa reaprendendo a andar. O chão ficou longe nas passadas sem encontro certeiro, concentração exaustiva. A alegria esfuziante e ainda contida. Cheguei no paredão. Você já sabe o que isso significa: em breve estarei em casa. Revejo, revisito, reexisto nas cenas arrancadas de uma tristeza profunda resgatadas na lupa. E hoje meu coração pincelando de cores nos novos momentos. Eu me pego sorrindo, do nada. Afago perdido no traço do rosto. Ao fundo, vislumbro Toruk, um pouco abandonada pelo desuso recente e talvez, precoce. Tanto fez parte de mim, relação de afeto e desafeto. Pronta pra ser colo de outro. Sim, ela vai ficando no passado. Parece que para a ciência meu caso revela um avanço prematuro. Será que essa ciência ignora o valor de cada segundo dessa condição ou a devastação que dela se alastra? Abraço o travesseiro. Toque de recolher. As luzes dos letreiros mais uma vez se deitam no assoalho. Lembro do silêncio que antecedeu a despedida de uma “Na’vi” querida que partiu de volta para terra hoje à tarde, se despindo de seu Avatar. O abraço do adeus. Tantos ainda com locomoção em rodas e eu contemplada com uma lesão medular mais que parceira. Mistura de alegria e tristeza...
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Evite!
Quando você ouve, já foi! Não dá
nem pra visualizar a “discórdia” cotidiana. “Deixa quieto”, penso. Mas vocês
vieram aqui mais uma vez e depois de uma folga. Então aproveito a retomada da
escuta. Sei que é necessário filtrar a intenção das pessoas. Sei que se sentem
na obrigação de consolar, de dar esperanças, de expressar um sentimento de
compaixão. Mas então façamos o seguinte: independente do que se pense ou
acredite, vamos combinar todos aqui que existem coisas desnecessárias a dizer,
principalmente porque a lesão medular não é algo exato!!
Se não souber o que dizer, não
precisa falar nada e se quiser entender, mande ver. Elabore uma pergunta de
maneira sensata, mas evite “sobrar” no comentário porque pode ser completamente
desviado e sem noção e de quebra, machucar alguém... Segure aí o que já ouvi...
- Nossa... tão nova e tão bonita
nessa cadeira de rodas... (“Quer dizer que se fosse velha e feia não teria
problema?!?!?”. Evite fazer elogios atropelados!)
- Pra voltar a andar só depende
de você! (“Nossa, que fácil! Por que não pensei nisso antes???? Já pensou que
legal!? Gostei dessa! Não é hora de dar uma de “Roberto Benigni em A vida é
bela” ou “Pollyanna, no jogo do contente”! Fui longe agora hein? A Pollyanna já
deve ser avó!". Evite resolver a vida dos outros com um sonrisal – e esse,
ainda existe?).
- Se você não voltar a andar é
porque não tem fé (“Esse é o clássico! Será que o fato de ter a medula
seccionada também não complicaria a recuperação da função medular? Eu
particularmente tenho um quadro clínico que no momento me permite acreditar que
posso, mas não se pode fazer disso regra geral e nem mesmo arriscar comentário
sem conhecer o assunto.” Evite justamente constranger a fé alheia.)
- Minha filha teve uma lesão
medular, ficou 6 meses sem andar e hoje está boazinha, andando pra todo lugar.
Você também vai ficar boazinha! (“Como assim? E se ela não tivesse voltado a
andar, isso ainda daria chance a alguém de voltar a andar? Se ela andou, todo
mundo anda?”. Evite comparar as pessoas e suas lesões!).
- Ele está com dificuldade para
voltar a andar. Pode ser coisa da cabeça dele (“A dificuldade em lidar com a
limitação e dependência física mexe sim com a cabeça e o emocional...mas não
provoca uma lesão imaginária na medula – a medula com gravidez imaginária!).
Faça assim, se você entender bem do assunto, espere até ver todos os exames
específicos ou o laudo deles. Se não entender, melhor não especular. Quando
cada um diz algo diferente, é muito pior. Evite dar diagnósticos se não for o
médico do paciente.
- Se o cara mexe as pernas, é
porque vai voltar a andar (“Esse movimento que você percebe pode ser voluntário
ou involuntário – espasticidade. Este último é uma espécie de contração
involuntária capaz de mover um membro e mantê-lo contraído por longo tempo em
algumas pessoas com problemas neurológicos como a lesão medular...e se não for
este caso, saiba que tem gente que pedala em bicicleta estacionária adaptada e
nem por isso anda.” Evite relacionar causa e consequência, este caso não é
matemático).
- Como vocês "defecam"
se nada funciona da cintura pra baixo? (“Sentada mesmo”...minha nossa... Evite
agir como um “ser sem noção”!!!)
E a minha preferida:
- O cara era normal e depois do
acidente ficou que nem vocês (“Anormais!!?”)
segunda-feira, 25 de julho de 2011
Tudo novo de novo
Aceitação?
Aceitação? E por quê? Existe outra opção? A aceitação parece com o silêncio incontornável e imposto. É o percurso mais reto quando não se pode mais lutar contra as forças da natureza? Há quem diga que aceitar é desistir, um ato covarde. Mas há quem diga que aceitar é conformar-se, ato de coragem para encarar a realidade. Para mim, aceitar não se define em uma tacada. Parece mais com um acordo temporário e necessário que motiva a acordar no outro dia e ficar em suspensão na corda bamba, experimentando o equilíbrio. Não passa de uma tentativa vã e sempre por um triz, de amenizar o sofrimento fingindo esquecer o ocorrido e calando aquele desejo antigo sem dele se desfazer. É um processo cruel e lento. É admitir limitações, suas próprias e a dos outros. Aprender a conviver com ambas sem se violentar nem agredir os mais próximos. Não me dirijo apenas para quem está na minha condição, mas também para quem lida com a perda da funcionalidade, principalmente sem fins financeiros. Esses que são nossas pernas, nossos braços e disponibilizam-se por não termos mais autonomia nem independência. Eles não têm obrigação de adivinhar o que queremos, como queremos e quando queremos. Se dizemos que nos tiram a privacidade, neste sentido é certo que damos o troco tirando o tempo que eles têm pra viver a própria vida. Então não é justo acusá-los de nada. Enquanto esbravejamos e "amaldiçoamos" o mundo, culpando o destino, o acaso, Deus, ou sei lá mais quem por algo perdido, essas pessoas estão provendo alimentação, documentos, agendando exames, consultas...empurram nossas cadeiras, nos levam nos braços, nos dão banho, nos vestem, aguentam nossas palavras ingratas, nossos gestos de desespero. Elas tentam nos confortar com palavras inocentes, muitas vezes sem fundamentos científicos, mas todas carregadas de esperança e bondade. E nessas horas, melhor evitar dizer palavras que você não pode mais retirar. Só lembrar de algumas que você já ouviu e que nunca se foram. Eu só sei que esses seres estão presentes, velam sua dor, em silêncio e não se importam em quanto você está diminuído.
Foi assim...
Foi assim...eu já havia
ultrapassado o estágio do esboço de contração, vencido rolinhos embaixo dos
joelhos e tornozelos, sentada no tablado, dorso contra encosto. Já havia
deslocado theraband de todas as cores, deitada na cama do ginásio, tracionando
músculos acionadores, estabilizadores e desaceleradores do movimento da marcha.
Também já havia pedalado, ainda que minhas pernas estivessem amarradas dentro
de botas instaladas nos pedais. Também já havia ficado em pé com os joelhos bloqueados
na mesa mecânica, trabalhado equilíbrio de tronco, com e sem elevação de
braços, ainda que este fosse meu ponto fraco até então. Sentia-me segura o
suficiente para confiar na harmonia e compensação entre as cadeias musculares.
De fato, faltava-me a coordenação de tudo em uma sequência. Então meu terapeuta
funcional falou a frase mágica:
- Vá para as paralelas.
As barras paralelas representam
uma espécie de "corredor da esperança"...um túnel de aproximadamente
três metros para percorrer a pé e tem um espelho do final. Parece uma saída
para esbarrar com quem a gente é. Cabe direitinho, sem mentir, a revelação
"do que te agrada e o que te dói". É onde você dá a cara a tapa, tira
a prova dos nove, faz o acerto de contas...Mas, "é preciso estar tranquilo pra se olhar
dentro do espelho, refletir, o que é... seja você quem for"...enfrentar-se
é necessário, mas sem fingir e sem autossabotagem...teria chegado a hora?
Estaria eu pronta?
- Sério?
Duvidei de mim. Ele fez sim com a
cabeça. Toquei Toruk até a borda da entrada das barras. Travei suas rodas. Ele
prendeu minha cintura em um cinto com alças largas, segurou-as firme na
lateral, pôs-me de pé e não mais me soltou. Apoiei os braços nas barras,
estabilizei o tronco...olhar fixo no chão a frente...medo...
"O medo é uma linha que
separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como um laço que
se aperta em nós
O medo é uma
força que não me deixa andar"
Balbuciei suor e tontura...meu
sangue aquecendo. Vapor ardendo. Os sons emudeceram-se em volta. Slow
motion...sua voz me recomendava algo... eu entorpecida de emoção...
- Pernas semifletidas, tente
sustentar o corpo o máximo sem os braços.
Ele checava a potência da força.
Lancei-me..."por favor não me traiam, segurem-me...não me larguem logo
agora"...apelo arrancado do fundo... muito tremor...inevitável... eu me
inundava de vida e movimento...com a ajuda dele, avancei a passos curtos,
lentos e valentes até a ponta e voltei. Toruk me acolheu no colo...nada falhou. Respiração alterada...Gritei alto por
dentro...por fora merecidas lágrimas sem pudor...silêncio longo...profundo...
mistura de respeito e cumplicidade...
- Pode ir.
Voei dali com Toruk em um pranto bem esperado...minha alegria em segredo...
O contrário do alívio
Depois de duas semanas de lesão, ainda em Natal, recordei-me da rotina de antes: correria, falta de tempo, correção de provas, preparação de aulas, atendimento a alunos a cada passo no corredor da universidade. Intervalos, só nos deslocamentos de um lugar a outro. Adormeci em meio a tantas tarefas tão familiares abandonadas, disputando vaga entre os papéis imaginários sobre a cama. Acordei retorcida e sobressaltada, com a adrenalina queimando o espanto, temperatura explodindo!! "O despertador emperrou, estou atrasada para a aula!!". Antecipo-me com a intenção de retirar-me da cama sem hesitação. O empuxo não decola, minhas pernas desobedecem sem tração. O colchão me gruda e por alguns milésimos de segundos recorro a insistência confusa, atordoada de mover-me. Metade ainda dentro do sono, metade ali, enterrada dentro de um jarro, acenando as hastes e pedindo socorro. Minha testa contrai-se, os olhos apertam o entendimento se rendendo a uma espécie de contrário do alívio. Os lábios imprensados na explicação. Sensação de cair em si. Realidade me buscando de volta, me devolvendo ao colchão de onde sequer removi-me. Despeço-me do gosto nostálgico do sonho para despertar em um pesadelo.
A quoi bon?
A dança lenta dos biombos abraçando as camas intercalando as intervenções privadas. O baunilha do céu confunde trazendo ou levando o dia. Acordamos e adormecemos no meio de um oceano. São 26 sobreviventes de naufrágios diferentes se encontram na mesma ilha de Pandora, olhando o mesmo teto e calando a fala. Ouvimos os ruídos incessantes de tudo em volta. Os chamados se alternam a noite inteira. Meu corpo cansado padece em minha jangada a espera de um resgate. O dia encolhe a fronha, interpõe imagens de dentro e de fora do mundo. Desligo os olhos mais uma vez, tudo arde em volta. Olhares vagos distantes..."os nós que arrebentam, os fios que enlaçam, vontade entre alegria e dor". Antecipo a rotina...um centímetro a mais de flexão, um segundo a mais de resistência, alguns gramas a mais do deslocamento ou na densidade de sustentação. "À quoi bon?"... ("de que adianta"..."para que serve"). A quoi bon mexer minimamente os braços se não se consegue tocar a cadeira? A quoi bon mexer a mão se não se consegue segurar o garfo? A quoi bon segurar o garfo se não consigo fisgar a comida? A quoi bon fisgar a comida se não se consegue levá-la até a boca? A quoi bon mexer as pernas se não consigo andar? A quoi bon existir se não posso viver?
quarta-feira, 20 de julho de 2011
domingo, 17 de julho de 2011
Já dá pra calçar umas havaianas
- Tá sabendo do chá de cadeira
que fizeram na ala B para comprar uma cadeira de rodas pra uma menina?
- Meu abacaxi não está cortado em
rodelas, acho que se enganaram e mandaram em pedacinhos ("abacaxi de
tetra"), quem precisa trocar comigo?
- O professor chegou no ginásio
tirando onda ontem, dizendo que a aula de ballet estava marcada para as 10h.
Tenho que comprar minha sapatilha!
- Aprendi a empinar sem cordinha,
e só não consigo subir o degrau de 15cm.
- Vem que eu te dou uma rasteira!
- Aqui não pode pedir nada
emprestado para não passar bactérias para o outro.
- Solta o braço, tá tocando a
cadeira quem nem DJ!
- Lá no lago tem aula de dança,
basket e canoagem. Mas parece que tem também desfile de moda.
- Pow...beterraba só pode ser bom
pra medula... tem todo santo dia!
- Você está no grupo do passeio
para o zoológico?
- Você viu que aqui dentro tem
uma tela de cinema?
- A água da piscina é fria?
- Tá treinando fechadura com o
adaptador de mão.
- Subir rampa é mais cansativo,
mas descer é mais perigoso.
- Caraca, segunda-feira é o dia
nacional da flatulência! Fala sério! O que vocês comem no final de semana!?
- Da barra com órtese para o
andador, depois pra bengala e de lá para esteira. Tomara que eu consiga!
- Sonhei que todo mundo era
"para" e eu era astro de novela.
- Tem diferença entre bengala e
moleta?
- Muito ruim tomar banho sentado.
- Nunca mais tinha sentido dor
muscular.
- Tive espasmo tão forte que caí
da cama ontem.
- Pode ir se trocar seu short tá
molhado. A sonda deve ter saído.
- O moleque não tem nem braço
completo e nem perna. Ganha de todo mundo lá, faz tudo!
- Eu desmaio quando fico de pé na
prancha mecânica.
- Deixei o rastro no chão, meu
saco vasou.
- 62 dias deitado de bruços, dá
medo de se sentar.
- Depois de meu acidente, todo
mundo dizia que eu voltaria a andar e que Deus ia prover. Faz 11 anos já.
- Odeio quando os outros dizem
que eu vou voltar a andar.
- Agora eu sei quem é mesmo meu
amigo.
- Tô louco pra tomar uma coca
cola.
- Logo que você se acidenta, todo
mundo quer ver você pra conferir. Depois que você não é mais novidade, fica
sozinho mesmo, brigando pra vestir a camisa.
E essa foi minha:
- Meus pés estão mexendo e agora
já dá pra calçar umas havaianas!
Dialeto de Pandora
"PC": não tem nada a
ver com computador, é paralisia cerebral;
"LM": não é produto
para lavajato e sim, lesão medular;
"Vai fazer o
"cat"?": não tem nada a ver com o gato. É simplesmente fazer
cateterismo vesical: introduzir uma sonda na uretra para fazer escoar a urina.
Pode ser assistido (com ajuda de alguém) ou autocateterismo (sozinho);
"Vai te catar?": não é
procurar piolho em si, também não é "vá procurar sua turma". É também
fazer o cateterismo vesical;
"Tá fazendo o catecismo?":
Fazer cateterismo mais uma vez.
"Já tem seu kitcat?":
não é ter um chocolate e sim um conjunto de saco coletor, sonda uretral, sabão
neutro, lubrificante hidrossolúvel e gaze;
"Chegou no
"paredão"? Em "Pandora" isto não significa que você vai ser
fuzilado ou eliminado, mas sim, imaginar que sua alta se aproxima já que sua
cama foi deslocada para perto da parede dos fundos se distanciando do posto de
enfermagem (requerendo menor atenção);
"Carregando a bengala":
Não é levar a bengala de alguém. Significa "andando tão bem que não precisa
da bengala".
"Tá de preparo": tá
fazendo dieta laxante de três dias para fazer uma ultra.
"Já sabe tocar a
cadeira?": Quem não sabe tocar uma cadeira, não é? Mas isto significa
conduzir uma cadeira de rodas. Vamos combinar: é bem melhor que "andar"
de cadeira de rodas, né? Dannnnnn!
"Estar enfezada (o): não é estar com raiva, muito nervoso ou bravo ou coisa parecida...é estar "em fezada"...entende? Pense em fezes... Não queira que eu descreva mais que isso!
sábado, 16 de julho de 2011
Para quem aguentar "ouvir"...
De antemão alerto: o texto de
hoje não se trata de um manual de instruções. Ninguém é obrigado a conhecer as
entranhas do problema, mas se você veio me ler, algum interesse tem e por isso
mesmo vai levar consigo o recado. Não vou me eximir em explicar, nem você vai
se constranger em me "ouvir", ainda que o que eu tenha a dizer seja redundante
ou não totalmente novidade. Não vou encorajar dizendo que o post de hoje é engraçado
ou emocionante. Nada disso. Não vou enganar a você: ele é cru, porém, vital!
Ele pretende desfazer uma série de equívocos que frustram, constrangem e desintegram
a trajetória de quem precisa se reabilitar e de quem está acompanhando o
processo. Se você é humano e vive em sociedade, isso concerne a você também!
Portanto, sente e "ouça" os esclarecimentos sobre alguns equívocos
que dizem por aí:
1. Pandora "não faz ninguém
voltar a andar". Isso faz parte de uma lenda que a própria equipe que
cuida dos Na'vis daqui faz questão de desfazer. Isto porque este reino foi
concebido para tornar funcionais e valorizadas as capacidades que nos restam e a
partir delas devolver dignidade, respeito e qualidade a uma vida adaptada.
Obviamente o centro é composto de uma infraestrutura sem precedentes e um grupo
de profissionais de excelente reputação... mas deixam bem claro desde a
primeira consulta: reabilitar para as capacidades atuais sem mais expectativas.
Por quê?
2. Eles defendem o propósito de
que a recuperação da função medular depende da "espontaneidade" da
própria medula em voltar a reagir. Portanto, quando acontece de um paciente
retomar contrações voluntárias como é meu caso, eles atribuem o resultado ao
despertar da própria medula e não ao trabalho de manuntenção osteomioarticular.
Lógico que o trabalho para manter o organismo em atividade por meio do controle,
higiene, exercícios físicos e demais cuidados é importante para dar condições
de não perder a funcionalidade caso esse despertar aconteça.
3. Eles ou qualquer teoria sobre
a neurologia entendem a medula como um mistério por ser uma extensão do
cérebro. Ela é como um "caule" que parte do cérebro abrigada em um
canal que passa dentro da coluna vertebral indo aproximadamente até o final da
região torácica e início da lombar. Dela partem os nervos por onde levam e
trazem mensagens enviadas do, e para o cérebro. Como exemplo, esses comandos
atingem as funções motoras (mobilidade), sensitivas (sensações de tato,
temperatura...), circulatórias (distribuição do sangue, nutrientes e oxigênio),
vesicais (urina), intestinais (fezes) e sexuais (atividade sexual).
4. A lesão medular se caracteriza
por um dano causado a medula, seja de forma traumática (acidente) ou não
traumática (vírus ou tumores). Quando isto ocorre, há forçosamente uma interrupção
na transmissão dos comandos cerebrais e partes do funcionamento de seu organismo
abaixo da lesão podem estar comprometidas. O grau do comprometimento dessas
funções vai depender não somente do nível da lesão (em que altura da medula se
situa o dano) mas também da intensidade de sua extensão (comprometimento de
todo o diâmetro da medula ou parte dele). "O quanto mudam essas funções
depende de onde e do quanto a medula foi atingida". Isto pode ser de forma
total (lesão completa) comprometendo qualquer movimento voluntário abaixo do
nível da lesão; ou parcial (lesão incompleta) podendo prover movimentos voluntários
ao longo da recuperação. Pode ocorrer lesão não somente por fraturas de
vértebra, mas também perfuração, esmagamento ou choques/pancadas com formação
de edema, como foi meu caso. As pessoas que sofrem lesões situadas na região
cervical (pescoço) são classificadas como tetraplégicas, e da região torácica
para baixo, paraplégicas. Os tetraplégicos em teoria são mais dependentes que
os paraplégicos, mas como disse, a intensidade da lesão também determina a
possibilidade das capacidades. Há tetraplégicos que ficam em pé, por exemplo,
comem e fazem esportes adaptados, mesmo com outras limitações.
5. Da mesma forma não há regras
para o comprometimento sexual. Alguns não são afetados e para outros é
necessário a descoberta de novos estímulos para retomar essas funções. Portanto,
pode ser um engano olhar os "plégicos" como se eles não sentissem
prazer. Mas também isso pouco importa, sabe por quê? Porque na condição de para
ou tetraplegia, a escala de valores da natureza humana se ajusta de uma maneira
particular! Perguntem a um deles se
pudessem escolher, o que seria prioritário, assegurar a função sexual como
antes ou a função vesical ou intestinal? É praticamente unânime a resposta!! Independentemente
do nível de "garanhonismo" do passado, a função sexual ou até a
marcha ficaria em segundo plano. Afinal passar a vida toda introduzindo uma
sonda na uretra a cada 4 ou 6 horas para escoar a urina (cateterismo vesical),
ou transitar com sonda e saco coletor (sonda de demora), ou ainda fazer
manobras para eliminações fecais, requer uma aceitação imposta e uma organização
extrema. E isso não é nada confortável, sem falar no risco de vazamentos. É meu
caro, é sem escolha. Bexiga e intestino cheios e distendidos podem levar a
problemas sérios como a insuficiência renal ou impactação fecal. São casos de
emergência médica.
6. Ainda não terminei: o lesado
medular também corre o risco de abrir úlceras por pressão dos ossos na pele (escaras).
Isto acontece porque o desuso do aparelho locomotor acarreta perda de massa
muscular expondo mais os ossos ao contato prolongado com a superfície que nos
sustenta, quando mantemos o corpo na mesma posição. Além disso, em algumas
lesões há risco de aparecimento de movimentos involuntários de membros
(espasmos) que podem causar quedas entre outras consequências. Portanto quando
virem os "plégicos" moverem partes do corpo que são inertes, não
pensem que é algum espírito habitando um corpo, um encosto, um milagre ou
fingimento. Para isso é necessário
medicação para diminuir os espasmos. Além desse tipo de tratamento, existe a aplicação
de botox para relaxamento dos nervos. Já para evitar trombose (provocada por
problemas circulatórios), tomamos injeção diária ou usamos meias, digamos, especiais.
Temos ainda uma alimentação naturalmente laxante, bebemos muita água,
utilizamos manobras para facilitar o movimento intestinal ou outros
estimuladores, e ainda fazemos exercícios físicos e cuidamos da hidratação da
pele com cremes.
Entendeu por que os heróis sem medalhas merecem mais respeito e prioridade?
sexta-feira, 15 de julho de 2011
Quantos dedos então faltam?
Já tá perto? Vai demorar muito?
Quando eu vou crescer? Com o "tempo" as perguntas mudam, mas ainda
assim ele permanece pano de fundo. Como se mede tudo isso? Pela intensidade do
que se vive? Em segundos, dias, anos? E quantos segundos duram um segundo? Você
sabe?
Não, não...eu não me enganei nem você leu errado. É isso mesmo. O
encontro pode ser curto e ainda assim eterno. E pode ser longo e completamente
inexpressivo. De abril pra cá foram 3 meses de intensa busca, lenta espera, dúvidas,
confrontos, estimativas, julgamentos e transformações.
O nunca e o sempre têm a mesma
duração ainda que em direções contrárias. Será que vale a pena conhecê-los?
Como diria uma voz amiga: "nada é tão longo que (não) seja definitivo ou
imutável. Esse funil à conta-gotas que não preenche, e que tortura. Maltrata
porque nele a expectativa frustra, ainda que a esperança branda amenize.
Remando sobre rodas sem bússola e
sem endereço de destino. Aliás, que destino? Como aquele soldado do livro do
Buzzati que parte à deriva com expectativas para ser lotado em um antigo forte
somente com o dever de velar o deserto. O tempo conta diferente para quem é
livre? O que diria um "presidiário cumprindo sentença"? Um refugiado
encarando o exílio? Um refém enfrentando um sequestro? O tempo parece ser
aquilo que a liberdade sequer vê passar. Ignora qualquer esperança com desdém,
petulância e autossuficiência.
Para saber o que é o tempo, seria
necessário ler o diário de um faroleiro do atol, ouvir com profundidade seu
interesse pelo cotidiano, sentir o tédio murmurar relíquias, aprender a reter
do sussurro do ócio, os detalhes que não se visualiza. O tempo atrasa a
covardia e adianta os impulsos...ele paira levando de volta ou trazendo pra
longe..."tem volta e te cobra... o fim é uma forma de recomeçar". Ele
fere, dissolve e aborta. Só não para e não cura. Definitivamente, não se iluda,
ele não cura...conheço muitos "viventes bem vividos" ainda bem
enfermos.
Porém, o tempo prescreve, e por
isso alivia...se despede de mim e de você sem avisar, amargando remorsos pelos
deslizes e desfalques ou rendendo leveza pela consciência e imunidade. Ele
desprende, decola e retoma "marcando o passo" em sua arritmia. Lembro
que quando pequeno, meu irmão caçula me perguntou quantos dedos das mãos ele
deveria "dormir" até que eu voltasse de onde morava. Demorei tanto no
retorno que ele preferiu dar meu nome a uma plantinha que ele regava todos os
dias esperando minha volta incerta. Não sei dizer quantos dedos contariam seu
sono, nem saberia descrever o vigor daquela plantinha crescendo sob sua
vigilância. Eu só sei que o tempo dedicado a mim, me fez permanecer viva dentro
dele ainda que distante. Quantos dedos então faltam para fechar esse parêntese?
terça-feira, 12 de julho de 2011
As imagens falam por mim
Arquibancada chegando!
Exame ok. Escapei da faca! Bom?
Espero que sim, pois o canal medular foi invadido apesar da medula permanecer
intacta.
- "Evitar esportes de contato
ou impacto". ("Como assim? Ah...entendi...só tênis de mesa, snooker,
pôquer e xadrez, né? E definitivamente tenho que largar meu boxe!!! O que aliás
não deve ser muito difícil já que eu nunca lutei...").
- O Tartaruga já teve alta, mas
ele estava aqui ("Tartaruga? Esse cara só pode tocar a cadeira muito
lentamente pra ter esse apelido).
- Por que Tartaruga? – não
resisti!
- Então, neguinho não se ferra
com história de mergulho em águas rasas, né? – disse meu interlocutor.
- Sim, é até a segunda causa de
lesão medular...mas e daí? – disse eu demonstrando todo meu conhecimento na “área”.
- Daí, o dele foi em águas
profundas, mas aí passou uma tartaruga bem na hora e ele tascou a cabeça no
casco dela. Resultado: lesão alta, tetra!
- Sério!!!!? ("Não acredito
nisssssssssssssso!! Caraca, não é possível!!!!").
- Pior é que é verdade! – disse
ele com um certo ar de quem pensa "Pois é, quem consegue prevenir uma
coisa dessas!!?
- Muito azar...minha nossa! – disse
eu sem “realizar” o fato!
- Pior foi o cara da manga – completou
em seguida. ("Humrum...peraí, cara da manga? Como assim!!!? Engoliu o
caroço? Teve falta de ar seguida de parada respiratória que acarretou paralisia
cerebral e comprometeu a medula!!?")
- O que tem ele? – não resisti
novamente!
- Diz que uma manga caiu na
cabeça dele. Resultaaaaaaaaado: Lesão alta, tetra!
- Não, aí você tá brincando né?
("Surreal! Só pode ter sido uma manga rosa!!! Uma manguita jamais seria
tão maligna!!!!").
- Tô nada, é sério! Parece mentira, mas não é... (Pensei "E eu então o que sou? No mínimo devo ser "Arquibancada!!!”, né? Tipo: olha quem vem ali, arquibancada chegando!").