Era sexta-feira, 15 de julho
quando me firmei entre moletas pela primeira vez. Já descrevi isso antes...mas
ainda não me convenci de ter transcrito a sensação na íntegra...passei dias
acordando durante a noite para verificar se minhas contrações eram reais ou
coisa de sonho, como aquela sensação do contrário do alívio. Sim, eu acordava
assustada para checar meu ganho motor. Acordava para saber se minha felicidade
tinha sido efêmera. Aliás, preciso ir além da descrição dessa sensação por
outra razão, por um detalhe fundamental e comovente. Estremecer no sensor das
forças, latejar os dedos dos pés na irresistível vontade de coçá-los com vigor
provavelmente por causa da circulação sanguínea espalhando-se nas artérias e revitalizando
a pele e tirando-me da estagnação. Nada disso, ou tudo isso, me resgata de
retorno a borda da vida. Mas anuncio... coincidência ou não, dois dias depois
de me colocar de pé apoiada nos acessórios, apesar do confinamento da
internação, "corri" colada nas costas de uma amiga de infância,
durante os 42km de uma maratona mundo a fora. Ela me "carregou"
durante 4 horas 13 minutos e 36 segundos em minha primeira maratona. Filmou na
retina paisagens do caminho, partilhou comigo sensações de superação, lado a
lado. Era dor, cansaço, emoção. Ouviu meu nome nos gritos dos anônimos durante
o percurso ..."Go Kalina!!!". E até uma cadeirante urrando palavras de
incentivo. Minha amiga ainda não sabia do meu progresso, nem dos meus sonhos de
poder avançar novamente no mundo de maneira autônoma, e quem sabe até, com as
próprias pernas...e mesmo assim, me arrastou em seu fôlego, como tantos outros
amigos e anônimos o fizeram a sua maneira...desde a intenção positiva, a
presença, as promessas, os pedidos em seus credos, a torcida permanente,
homenagens, sacrifícios.
"Tem coisa que não tem
nome"...não posso chamar apenas de "substituição" o ato de
alguns colegas assumirem todos os meus compromissos acadêmicos, em um semestre
em andamento, defendendo meu nome, e tentando imaginar como eu resolveria ou
faria algo se estivesse ali...eles me representaram...uma carga impensável de trabalho
somada ao que eles já tinham...não posso chamar somente de
"solidariedade" o fato de ter me carregado no colo pra o banho, pra o
sono, médico ou fisioterapia, pra vida, ver o mar, pessoas
importantes...cuidado com tanto afeto de meu cachorrinho lhe suprindo qualquer
vazio ou dúvida sobre minha volta pra casa, pensado em um travesseiro melhor,
almofada adaptada, proteção contra escaras, óleos para hidratar a pele, ou
outros acessórios para meu conforto, provido meus armários de alimentação,
dirigido meu carro, empurrado minha cadeira, exercitado minhas pernas por mim,
resolvido minhas burocracias de trabalho, estudo, vaga na internação, passagem
aérea, mudança de apartamento. Não posso nomear somente de
"acolhimento" o que aconteceu em Brasília... o "berço" preparado,
o café da manhã, a privacidade e respeito por meu silêncio quando minha alma só
queria calar a dor...companhia, saídas, carinho, ...como a passagem sincrônica
de um bastão. Meus "cuidadores" em Pandora...de treino a treino,
remédios, escuta, comida. Meus visitantes, indefesos diante do novo
estranho...não tenho a menor capacidade de descrever os olhares distantes e
silenciosos, a alegria evasiva de meus companheiros avatars com quem aprendi o
significado da continuação, esperança no perdido e paciência na demora. Não
tenho como esquecer o incentivo dos que me fizeram falar, e exigir a criação do
blog para ter notícias minhas. Não tenho meios para definir o valor disso tudo.
Não sei conceituar o perdão concedido por todos eles a meu isolamento, a minha
retração, meu choro irritado. Só sei que causei preocupação e tristeza a quem
só merecia minha alegria. Então, hoje presto minha sincera homenagem a todos,
sem exceção, que se sentiram e estiveram de alguma forma perto de mim, me
trazendo nas costas como essa maratonista valente que configurou metaforicamente
cada um deles, com todo esse sentimento de carinho, pelo qual serei eternamente
agradecida. Go Kalina! E eu fui!
A você Van, por ter dado um nome ao que não tem nome, por ter representado o gesto de cada protagonista de meu trajeto e descrito com sutileza em nome de todos, o valor da partilha e amizade.
O tudo ainda é muito pouco pra representar o quanto gostamos e torcemos por você. Só uma pessoa tão fantástica poderia cultivar amigos tão sinceros e provocar atitudes tão indescritíveis. Mata-me de orgulho!
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