Foi assim...eu já havia
ultrapassado o estágio do esboço de contração, vencido rolinhos embaixo dos
joelhos e tornozelos, sentada no tablado, dorso contra encosto. Já havia
deslocado theraband de todas as cores, deitada na cama do ginásio, tracionando
músculos acionadores, estabilizadores e desaceleradores do movimento da marcha.
Também já havia pedalado, ainda que minhas pernas estivessem amarradas dentro
de botas instaladas nos pedais. Também já havia ficado em pé com os joelhos bloqueados
na mesa mecânica, trabalhado equilíbrio de tronco, com e sem elevação de
braços, ainda que este fosse meu ponto fraco até então. Sentia-me segura o
suficiente para confiar na harmonia e compensação entre as cadeias musculares.
De fato, faltava-me a coordenação de tudo em uma sequência. Então meu terapeuta
funcional falou a frase mágica:
- Vá para as paralelas.
As barras paralelas representam
uma espécie de "corredor da esperança"...um túnel de aproximadamente
três metros para percorrer a pé e tem um espelho do final. Parece uma saída
para esbarrar com quem a gente é. Cabe direitinho, sem mentir, a revelação
"do que te agrada e o que te dói". É onde você dá a cara a tapa, tira
a prova dos nove, faz o acerto de contas...Mas, "é preciso estar tranquilo pra se olhar
dentro do espelho, refletir, o que é... seja você quem for"...enfrentar-se
é necessário, mas sem fingir e sem autossabotagem...teria chegado a hora?
Estaria eu pronta?
- Sério?
Duvidei de mim. Ele fez sim com a
cabeça. Toquei Toruk até a borda da entrada das barras. Travei suas rodas. Ele
prendeu minha cintura em um cinto com alças largas, segurou-as firme na
lateral, pôs-me de pé e não mais me soltou. Apoiei os braços nas barras,
estabilizei o tronco...olhar fixo no chão a frente...medo...
"O medo é uma linha que
separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como um laço que
se aperta em nós
O medo é uma
força que não me deixa andar"
Balbuciei suor e tontura...meu
sangue aquecendo. Vapor ardendo. Os sons emudeceram-se em volta. Slow
motion...sua voz me recomendava algo... eu entorpecida de emoção...
- Pernas semifletidas, tente
sustentar o corpo o máximo sem os braços.
Ele checava a potência da força.
Lancei-me..."por favor não me traiam, segurem-me...não me larguem logo
agora"...apelo arrancado do fundo... muito tremor...inevitável... eu me
inundava de vida e movimento...com a ajuda dele, avancei a passos curtos,
lentos e valentes até a ponta e voltei. Toruk me acolheu no colo...nada falhou. Respiração alterada...Gritei alto por
dentro...por fora merecidas lágrimas sem pudor...silêncio longo...profundo...
mistura de respeito e cumplicidade...
- Pode ir.
Voei dali com Toruk em um pranto bem esperado...minha alegria em segredo...
Oi, Profa! Emocionante o post... Sua alegria em segredo e a nossa escancarada!
ResponderExcluirCheiro.
Sem comentários...lágrimas percorrem meu rosto de tanta alegria.
ResponderExcluirQueria tar ali, viu?
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