Desci, era cedo. O ascensorista
me sorriu. O som do elevador cantarolava uma canção antiga,
melancólica..."silêncio e sons". O dia parecia não ter acordado. Revi
meu programa da jornada...preenchido...TF, musculação e psicologia.
- Bom dia. Hoje às 14h a equipe
quer ver você. Vão discutir dois casos e um deles é o seu. Mas chegue na hora. –
disse meu terapeuta funcional).
-É, já sei, vou sim. É no
laboratório de movimento, não é?
- Isso. Mas vamos ver se hoje
você já vai sem a bengala.
- Andar assim sem a bengala? Mas tenho
que treinar porque nunca fiz isso...
- Você tá carregando a bengala
já. Vamos ver, hoje você caminha entre as barras.
Meu corpo tremeu inteiro. Tive a
impressão de ficar tonta. Deu um zumbido no ouvido. Suei frio. Parecia que a
cor sumia em dégradée, vindo da cabeça até os pés. Tudo ficou lento e os sons
se apagaram. Pensei que era o teste final, o começo do fim, o antes do recomeço.
Era como qualquer coisa que me largava em uma estrada estranhamente familiar,
no meio do filme, sem paraquedas... o frio na barriga, chaud au coeur (coração
aquecido), plexo solar assanhado como um rastro crescente e redondo deixado por
uma pedra lançada no meio do lago. Algo em mim "movendo a água
abandonada"... o chão parecia um abismo de tão distante de mim. O cérebro
descoordenado, balbuciando os ajustes. Estou descrevendo a sensação porque
poucas pessoas vão saber o que significa perder e recobrar. Então, leia...
Olhei do alto para meus pés, sem me curvar. Os olhos esticaram para medir o espaço. A bengala grudada na mão...meu sensor, meu guia, meu apoio...a hora da despedida, a volta a autonomia. Talvez ela me dissesse "a estrada é sua, não precisa mais que eu dite os buracos pelo mundo a fora"...memórias retalhadas de emoção. Em frente, o espelho...e nele alguém familiar...eu, ali, refletida, em pé, esperando por mim.
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