Por que fazem carros com
capacidade para 220km/h se temos que moderar a velocidade? Por que adquirimos a
possibilidade de pronunciar palavras, mas não necessariamente o dom de conhecer
o peso de seu significado? Por que aprendemos a dar os primeiros passos quando
ainda não temos a menor maturidade para escolher o caminho? Por que alcançamos
a capacidade de ter filhos quando ainda somos o filho? Por que há essa espécie de desencontro, de
desacordo entre nossa maturidade de escolher e executar? Essa contradição entre
nosso arbítrio em agir e nossa responsabilidade de responder pelos atos? Vinha
pensando eu, sobre como tenho que me virar com o despreparo diante da vida...
Será que para conhecer as respostas, eu tenho obrigatoriamente que me acidentar
em alta velocidade, falar o que não devo, me perder na estrada ou engravidar
equivocadamente? Será que para aprender algo eu tenha necessariamente que ter
um prejuízo irreversível? Que pergunta esqueci de fazer antes desse meu
momento? Parto divagando sem amarras enquanto desabotoo minha liberdade. Minhas
palavras soltas até são registradas quando lidas, mas só se imortalizam quando
a comoção perfura o âmago e perdura tempo suficiente para desbotar a transformação.
Sim, porque a transformação parece descolorir quando demora muito tempo para
acontecer. Pode ser no lapso de uma piscada de olho, no intervalo da queda de
uma estrela, no flash de um relâmpago, na brevidade de um sopro. Mas pode ser
no pulsar de um bonsai, na travessia de uma lesma no deserto, na decomposição
de um plástico na natureza. Mas tudo é tão simples, tudo enfim, tão evidente,
translúcido...o detalhe que faltava para o encaixe das peças... tão presente,
ali diante dos olhos, que de tão insignificante e banal, tornou-se
invisível...um cílio no rosto, a mancha no teto, o grão da areia, o fiapo
grudado na roupa, um ponto de sol escapando da telha, um furo na meia... aquele
quadro que nunca olhamos em um corredor da vida, e que quando é retirado, a
gente sente falta de algo, mas não sabe o que é. Não sabe exatamente o que
havia como imagem naquela moldura. Só sabemos que estava ali, mas a gente nem
olhava, nunca via...lembro de uma cena no filme “Mar adentro” que o sobrinho adolescente
reclamava e maldizia com raiva e desdém do avô para o tio tetraplégico (novamente
Ramón por Bardem) dizendo: “como se precisássemos dele”. E o tio riu em
silêncio... o sobrinho não entendeu o motivo do riso e indagou o tio:
- O quê?
-Olha...um dia, não sei quando,
mas um dia, daqui a pouco tempo...você vai se arrepender tanto, mas tanto do
que disse, que vai querer que a terra te engula. – disse o tio.
-Mas, por quê? – retrucou o
sobrinho.
-Um dia, você vai ver...um dia. –
disse o tio com um riso de pesar e perdão antecipado.
Essa cena é a mais singela
tradução do que é remorso na língua dos anjos. A materialização e representação
de toda forma de arrependimento por uma espécie de desfalque, do que não foi
percebido ou realizado... ou de nem sei o quê. É que tem coisa que de fato não
dá mais tempo de voltar atrás e você tem que lidar com as consequências e ficar
atento para não “perder mais o trem da história por querer”. Se você for um
humano, sabe que no fundo carrega isso por alguma razão.
Eu, nessa jangada de rodas, sem âncora, à deriva como o barco embriagado do Rimbaud, cantarolo uma canção...Não volto pra o mundo onde não existo, não volto mais, não olho pra trás...e ainda que meu futuro me condene, desta vez ele me acerta, me atinge em cheio e me empurra para a frente. Abandono os atrasos da rota percorrida, esqueço os parasitas do caminho, rompo a correia das esporas, largo as armas enferrujadas. Fecho os olhos, parto as escuras sem norte, sem fardos, sem escoras. Sigo leve rumo a mim...
Como diziam os espartanos: diante do inevitável, relaxe e aproveite.
ResponderExcluirSei que é uma longa, lenta e por vezes árdua jornada. Ainda que não passemos pela mesma situação, já tive - e tenho - um processo de reabilitação na minha vida. Desejo exatamente o que você encontrou nesse barco: leveza.
Continue!!
Prego, suas explosões poéticas (malditas ou não) tem me feito tbm, dar boas gargalhadas, como vai ser mesmo o nome de seu LIVRO?
ResponderExcluirMelhor "COISA" que me aconteceu nos últimos tempos, é te seguir, ler você me faz 'ver" uma fresta de luz no fim do túnel " e assim, ...Parto divagando sem amarras...desabotôo minha liberdade...LINDO ISSO! Viva a Rimbud!, Viva a Kalina!
Ei, paz a cada passo, viu?
Não sei bem se é seu futuro que lhe condena, mas... rs... Também tenho seguido esse rumo que vai até vc!!!rs... Grande abraço!
ResponderExcluirImpressionante... meus olhos se encheram de lagrimas ao ler esse texto... DEMAIS!
ResponderExcluirLia, Rô, Imperial Jr e Patrícia...trazer vcs comigo também alivia meu mundo e melhora esse rumo. As vezes eu não sei mais nada, mas de dentro resta o que me é essencial...o suficiente para continuar. Construído por vcs, aí vai: leveza, paz a cada passo, seguido o rumo até vc, nos olhos cheios de lágrimas.
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