E agora? Não tem táxi
aqui...terminei uns exames e sinto fome, quero ir para casa. Minhas pernas
estão geladas e inchadas. Olhei a minha esquerda o shopping em diagonal com o
hospital. Pensei: "dá pra ir, será?". Bom, não tinha escolha, vamos
lá. Virei à esquerda e fui pela calçadinha interna do hospital. Em menos de 5
metros eu descobri que tinha que fazer o "alinhamento e
balanceamento" da minha cadeira de rodas!!! Ela está puxando para a
esquerda. É, cadeira de rodas facilita muito sua vida quando você não anda,
sabe? O problema é quando ela tem vontade própria e quer decidir a vida dela,
porque a minha vontade era somente chegar naquele shopping se ela não se
importasse!!! Enquanto eu estava retrucando e a manuseando, vinha uma colega
cadeirante em minha direção. A calçada estreita, pensei: é agora, vamos
colidir!!! Não vou ser mais somente "para" e sim "tetra" ou
quem sabe até "penta". Deixei meu drama de lado junto com minha
cadeira...fiquei à beira do precipício (era apenas na borda do meio fio! Dá no
mesmo!). Mas...nada aconteceu. Quando levantei os olhos, vi uma rampa! Aliás,
vocês sabem o que significa uma rampa? Rampa é uma ferramenta arquitetônica de
menor tortura que as escadas para ligar dois pontos em alturas diferentes. Os
arquitetos entediados, acharam por bem se divertir e criaram astuciosamente
vários graus de dificuldade: inclinações diferentes, curvas sinuosas e as vezes
alguns solos trepidantes! Pensei: se eu escapar deste penhasco, poderei de todo
jeito morrer do coração! Exagero a parte, nada disso aconteceu. Mas
descreverei: se você não tiver um amigo que use uma cadeira de rodas,
experimente subir uma ladeira, sentado em uma cadeira de escritório (com
rodinhas, é claro), sem tocar o chão. Use dois bastões de apoio no solo para
deslocar-se e me digam o que acontece quando as rodinhas param de deslocar-se
para frente. Sufoco! Minha mão esquerda começou a doer muito, criou um calo,
mas eu não podia ficar ali na metade do caminho esperando Godot! Consegui, enfim! Se vocês não estão mais aguentando essa leitura, imagine eu para
percorrer esse trajeto! Gastei 13 minutos em um trajeto que se gasta 5
segundos para quem anda. Esperei a parada cardíaca, mas como ela não veio,
pensei "o jeito é continuar...mas agora é moleza, calculei: plano até a
entrada do shopping e uma rampinha curta lá mesmo...tenho ao todo 2 vias de mão
e contramão, ou seja, 4 pistas". “Cê que pensa”... tenta atravessar a 1ª
rua...os carros tendo a opção de seguir reto ou entrar à direita e você lá, com
a mão na roda tentando adivinhar o que eles vão fazer. Aliás, de onde tiraram
mesmo que a expressão "uma mão na roda" é coisa fácil, hein? Fala
sério! Vou lá ... o jeito é tentar o suicídio e torcer para não dar
certo...meti a cara e atravessei quase fechando os olhos! Quando vi...tinha que
subir aquele meio fio pseudoacessível do canteiro para ir para o 2º round! Aí
sim, a mão na roda apareceu dizendo "quer ajuda?" Eu quase disse
"Quero por favor, você pode me levar nos braços!!!?". E aí fui guiada
até a porta do shopping. 25 minutos para atravessar a rua! FAVOR Nº 1: sempre perguntem a uma pessoa com deficiência se ela precisa de ajuda. Pode ser que ela recuse, mas pode ser
que precise também. Eu ia apenas pegar um táxi naquele shopping, mas nessas
alturas dos acontecimentos, eu precisava IR AO BANHEIROOO!!! E é claro que o
banheiro de deficientes estava sendo usado por uma pessoa que anda (um andante,
a partir de agora). E pela demora, ela só podia estar muito mal! Como fazer quando precisamos
fazer xixi e não podemos "andar" para um lado e outro para passar a urgência?
Será que rolando a cadeira pra lá e pra cá dá certo? Matem sua curiosidade: não
dá certo. Fiquei pensando na tal "bolsa" do cara lá do corredor da
radiologia. Eu não usava a bolsa porque minha bexiga é neurogênica (retinha em
princípio grande quantidade de urina). O problema é o mal-estar que se instala.
Suor frio, dor de cabeça, um pouco de tontura quando a gente tem que fazer o
esvaziamento vesical, ir ao banheiro em função da quantidade de água ingerida e
não vai. Enfim, a criatura andante saiu do banheiro! E de fato! Descobri qual
era seu problema! Aliás, ela o deixou registrado de lembrança no vaso, caso
eu tivesse alguma dúvida! Era exatamente o que podemos chamar de uma
"obra" de arte! Como não posso mais "flutuar" sobre os
vasos sanitários como fazia nos banheiros públicos, decidi procurar outro
banheiro adaptado. Aliás, deixo registrado: a higiene nesse processo de
esvaziamento é uma condição muito séria para evitar infecções em pessoas
com deficiência. FAVOR Nº 2: Não usem banheiros adaptados se você não tiver uma deficiência
que justifique! (ps.: deficiência não se estende a alguém que está apertado,
tá? E aposto que você já fez isso!). Saí dali desesperada! O próximo banheiro
era no andar de cima, claro. Fui para a frente do elevador tentar minha sorte.
O elevador chegou enfim, mas estava lotado e ninguém ia descer ali. Não havia
espaço para a minha cadeira, portanto, não consegui entrar no elevador. Não preciso
dizer que esperei 3 vezes o elevador subir e descer, não é? FAVOR Nº 3: Se você
estiver no elevador lotado e um cadeirante estiver do lado de fora esperando
para entrar, saia de dentro do elevador e use as escadas rolantes, se você
puder andar, porque ele não tem como fazer o que você pode fazer!!!! Entrei e
enfim pude ir ao banheiro. Fiz o trajeto de volta ao térreo para pegar um táxi.
Mas tinha um alecrim dourado estacionada na vaga de deficiente bloqueando a rampa de
acesso, esperando o filhinho burguês comprar seu sorvete! Tinha fila para
sorvete! Ela olhou e disse "é rapidinho". E eu ali, esperando que a
vida dela se resolvesse. FAVOR Nº 4: preciso dizer esse?
Para você que não sabe por onde "ando"..siga a evolução de cada centímetro de inércia do movimento das pernas.
quarta-feira, 8 de junho de 2011
Façam-me o favor!!
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e otimo
ResponderExcluirObrigada!
ResponderExcluirRealmente... é uma saga!!!!!!
ResponderExcluirAlesandra.