Hoje fez muito frio. Meu corpo
tremeu. Vejo meus pés se moverem, as pernas mais firmes. Tenho uma sensação
indescritível e muita vontade de chorar de alegria. Subo para o banho quente e
coberta. Como eu queria que meus parceiros aqui tivessem a mesma evolução que
tenho vivido. Por que as preces alheias não funcionam para todo mundo? Será que
é porque aguento sofrer menos que eles? Visualizo fora daqui meus projetos,
planos, vida. Preciso retomar o rumo. Mas as coisas têm outro sentido, outro
gosto, outro valor. Começo a não me reconhecer mais no timbre das horas. Quando
eu voltar pra casa não sei que língua vou falar porque tudo tem outro
significado. Conheci pessoas que me mudaram para sempre. Nossas vidas bifurcaram
as linhas de trem para o mesmo lugar e acabamos partilhando o mesmo vagão, na
mesma viagem. Cada um com uma história guardada na mochila. Meus olhos deslizam
em volta, contornam a penumbra, afagando de longe meus cúmplices. As vozes me
invadem, me buscam lá no fundo.
"Perdi minha mãe e irmã e
fiquei paraplégica em um acidente de carro na volta do enterro de minha
avó"...
"Eu estava grávida de 7
meses...bati o carro, esperei 15 dias para o parto e só então fiz a cirurgia da
coluna porque era a única chance da minha filha sair com vida...e saiu"...
"Na hora que caí do cavalo
eu sentia tudo...meus braços, pernas, mas muita dor. Aí os caras vieram
correndo e me colocaram em pé...depois disso não senti mais nada, mas não
desmaiei"...
"Um cara me trancou, não
gostei, desci do carro e discuti...voltei pra o carro e segui estrada. Lá na
frente, ele me cercou e atirou no meu pescoço...ele já está solto e eu preso
aqui, sem me mover"...
"Minha moto derrapou e eu
entrei na parede...eu nem ia sair de casa"...
"Eu caí em uma cachoeira,
estava acostumado, mas escorreguei"...
"Eu estava dormindo no banco
de trás na hora do acidente, fui jogado, não tive como me defender da
pancada"...
"Eu mergulhei e bati com o
queixo com toda força no chão"...
“Eu estava no banco de trás. Era
o único com cinto de segurança. Um carro veio pela lateral, todo mundo foi
arremessado para o lado, menos eu. Ninguém teve nada grave, mas eu fiquei paraplégico”.
Tantos, muitos, outros. A enfermaria
silenciava. Tudo calado nesse mundo de imagens e eu aqui, tentando editar o
trecho que mudou a vida de cada um. Será que tudo isso é aleatório? Então nem
adianta prevenir com atitudes sensatas? De fato, algumas coisas nos escapam
mesmo quando somos cuidadosos e então a gente se consola com o clássico generalista:
"era porque tinha de ser". Mas estatisticamente a prevenção dá
melhores resultados. Penso em tudo que poderia ser evitado: bebida, celular,
velocidade, sono e falta do cinto de segurança no volante. Confesso que me
sinto uma idiota falando sobre isso porque eu sei que não vou atingir nada nem
ninguém. Afinal, por que razão meu desabafo surtiria algum resultado mágico? A
comunicação em massa, muito mais incisiva como suas campanhas publicitárias, repetitivas,
comoventes, brutais e algumas vezes até apelativas para ver se consegue chocar
ou arrancar algum efeito positivo na imprudência humana... ainda assim são
infrutuosas! Imagina esse roteiro aqui, banal e saturado. Mas sou eu que estou aqui
dentro escrevendo e você aí do outro lado me lendo. Estou em condição de dizer
pelo menos algo com propriedade, não acha?
Não tenho a menor pretensão de
mudar o mundo com essa postagem, afinal eu sou lúcida o suficiente para não
formular metas tão inatingíveis assim. Mas não posso calar a urgência e meu
propósito é simples: dar a você uma razão para construir atitudes que reduzam a
possibilidade de alguma fatalidade que limite sua condição física. Verdade,
você não tem poderes para controlar a manga que cai na cabeça, a bala perdida
no seu pescoço, a tartaruga no meio de seu mergulho, a cabeça no teto do carro
depois do quebra-molas inesperado, a arquibancada escorregadia, o vírus
contraído no sushi ou na lagoa.
Mas pode, por exemplo, começar a obedecer
às leis de trânsito, pelo menos as que preservam a vida, porque seu dinheiro
não vai pagar a "multa" se o dano for em você ou em outra vítima!
Pode também escolher não mergulhar de cabeça em nenhum lugar a não ser que
esteja em uma competição de natação ou trampolim! Salte com os dois pés na
água, é mais seguro! Faça você uma campanha com essa informação! Não precisa
gritar no facebook. Fale com dois amigos, olhando no olho. Peça pra eles
falarem para dois amigos. Mergulho é a segunda causa de lesão medular! Por que
não vejo isso na televisão!!!? É simples, é uma frase! E evite brincadeiras na
borda da piscina, não estrague justamente a festa de ninguém. Quando encontrarem
alguém machucado em um acidente, chame o socorro imediatamente, e não se
aventure a tocar a pessoa se não conhecer a técnica de resgate. Mesmo que a
intenção seja das melhores, você pode provocar a lesão justamente quando
manipula a posição da pessoa, ou durante o deslocamento, transporte ou coisa do
gênero. E o pior, se só você fizer tudo certinho, ainda corre o risco de se
confrontar com alguém que não leu nada disso ou até lê sobre o tema e assiste
reportagens na televisão, mas no dia seguinte está de volta as estradas
pensando no atraso, no compromisso ou tendo a certeza de que quando bebe
torna-se ainda mais atento. Ou que tudo isso é besteira e não há de acontecer
nada porque se acha o super-homem (e mal sabe como ele morreu!!). e se você
ousar repassar a mensagem para alguém assim, ele pode dizer que é
sensacionalismo apelativo. Engraçado... tenho que rir da tristeza, da ironia,
do desolamento. Aqui estou rodeada de vida real, de pessoas que moram na
esperança da ciência, na demora do nem se, nem quando. Sentados nessas cadeiras,
os corações batem, a rotina segue, a vida continua. Retoma-se o prumo todos os
dias, fazendo o que se pode com o que se tem. O resto, é sem escolha. Se você
ainda tem sua chance de escolher, agarre-a, preserve-a e proteja sua vida. Se
não tem mais essa chance de modificar a eventualidade, o dano definitivo ou
temporário causado pelo "aleatório", faça algo para impedir que
outros conheçam o que conhecemos. Estamos em 2011. Não sei se daqui a 5 ou 10
anos teremos contribuído para evitar que mais alguém se machuque. Na dúvida,
alerte: Escolha saltar com os dois pés na água!