Teto de concreto, vigas
delineadas. Eu, acomodada em minha forma, alojada em uma caixa de abelhas com
janelinhas de favo de mel. Telefones soam, murmurinho de vozes, rodas dos
carrinhos dos lençóis, passos sapateiam desfilando os descartes, bandejas
removidas com os restos, alavancas rocam rebaixando as camas, cadeiras rugem
suas rodas orquestrando a sinfonia da enfermaria. Lá fora os letreiros acordam
nos prédios anunciando precocemente a escuridão. A quietude me abranda, a
música apaga em mim desligando os olhos. Acendem-se cenas na minha tela
interior.
Penso na história da espera do
soldado pela princesa que o Alfredo contou para o Toto em Cinema Paradiso...
Alfredo: Era uma vez, um soldado que
se apaixonava pela bela filha do Rei e que lhe confessa não poder viver sem
ela. Mas como o soldado teria chance de casar-se com a filha do Rei? Como prova
desse sentimento, ela pede para ele esperar 100 dias e 100 noites embaixo da
sacada de sua janela. Com chuva, vento, neve, surrado por pássaros e abelhas, ele
estava lá, sem se mover, a esperar, “passoapassodiadia”, sob o olhar vigilante
da princesa. Depois de 90 dias, ele estava todo ressecado, rachado das intempéries,
sem forças e ela, a espreita, a olhá-lo. No 99º dia, ele se levantou e partiu ...
Toto: Mas por quê? Ele estava tão
perto?
Alfredo: não me pergunte o
significado, eu não sei.
Lembrei do primeiro livro de verdade que li na vida:
“O menino do dedo verde” do Maurice Druon. Nesse livro havia uma frase que
dizia: “é sempre perigoso zangar-se com aquilo que não se compreende”. Eu não
entendia essa frase. Eu li esse livro quando eu tinha 6 anos. Perguntei a minha
mãe o que aquilo queria dizer. Ela disse que quando eu fosse mais velha, entenderia.
Lembro de ter ficado bem chateada, porque se não era um livro para eu entender
naquele momento, ela não poderia ter me dado de presente. Decorei a frase só de
vingança e de vez em quando eu checava se eu já era mais velha o suficiente
para entender. Sem querer, aquilo começou a ser um marco referencial de
maturidade. Mas o tempo passou e eu fui me desligando dessa missão.
Mais tarde, já adulta quando
morava em Brasília, um vendaval desses da vida estava acontecendo e me aconselharam
contratar um cara para fazer meu mapa astral. No dia em que ele foi me apresentar
o resultado, eu queria anotar tudo e ele disse:
- Não se preocupe em anotar. Você só vai reter
o que fizer sentido para você agora e o que fizer sentido agora você nem vai
precisar anotar porque vai entender de imediato. Se
você precisar anotar o que não entender, a própria falta de sentido vai
descartar de sua memória. Vai chegar um momento em que as peças vão
se encaixar e sua interpretação dos fatos vai ganhar plenitude.
Nesse momento, eu tive a
impressão de ter um déjà vu. Era a história do livro “O menino do dedo verde”.
A frase veio imediatamente à memória e eu a entendi perfeitamente. Saí rindo.
Na história do soldado contada
pelo Alfredo, ainda não chegou o tempo de minha maturidade para entendê-la e
não sei por que tenho lembrado dela por esses dias. Talvez porque tudo toma
forma em um momento e se desfaz no seguinte. Talvez por haver um frágil contorno
na linha tênue da vida, e nesse processo somente as incertezas são tão seguras.
Reflito sobre o mistério que a demora constrói dentro da gente. Tantos
desistindo porque o fim talvez perca o sentido.
Tow ak na torcida...Sei que vai dá tudo certo!! Como vc escreve prof,Vc é F...
ResponderExcluirFico lembrando de um poema que vc fez pra uma dupla que estava apresetando o tcc sobre Educação Física e o Circo,vc fez ali,na msm hora..
perfeito!