Para você que não sabe por onde "ando"..siga a evolução de cada centímetro de inércia do movimento das pernas.
segunda-feira, 25 de julho de 2011
Tudo novo de novo
Aceitação?
Aceitação? E por quê? Existe outra opção? A aceitação parece com o silêncio incontornável e imposto. É o percurso mais reto quando não se pode mais lutar contra as forças da natureza? Há quem diga que aceitar é desistir, um ato covarde. Mas há quem diga que aceitar é conformar-se, ato de coragem para encarar a realidade. Para mim, aceitar não se define em uma tacada. Parece mais com um acordo temporário e necessário que motiva a acordar no outro dia e ficar em suspensão na corda bamba, experimentando o equilíbrio. Não passa de uma tentativa vã e sempre por um triz, de amenizar o sofrimento fingindo esquecer o ocorrido e calando aquele desejo antigo sem dele se desfazer. É um processo cruel e lento. É admitir limitações, suas próprias e a dos outros. Aprender a conviver com ambas sem se violentar nem agredir os mais próximos. Não me dirijo apenas para quem está na minha condição, mas também para quem lida com a perda da funcionalidade, principalmente sem fins financeiros. Esses que são nossas pernas, nossos braços e disponibilizam-se por não termos mais autonomia nem independência. Eles não têm obrigação de adivinhar o que queremos, como queremos e quando queremos. Se dizemos que nos tiram a privacidade, neste sentido é certo que damos o troco tirando o tempo que eles têm pra viver a própria vida. Então não é justo acusá-los de nada. Enquanto esbravejamos e "amaldiçoamos" o mundo, culpando o destino, o acaso, Deus, ou sei lá mais quem por algo perdido, essas pessoas estão provendo alimentação, documentos, agendando exames, consultas...empurram nossas cadeiras, nos levam nos braços, nos dão banho, nos vestem, aguentam nossas palavras ingratas, nossos gestos de desespero. Elas tentam nos confortar com palavras inocentes, muitas vezes sem fundamentos científicos, mas todas carregadas de esperança e bondade. E nessas horas, melhor evitar dizer palavras que você não pode mais retirar. Só lembrar de algumas que você já ouviu e que nunca se foram. Eu só sei que esses seres estão presentes, velam sua dor, em silêncio e não se importam em quanto você está diminuído.
Foi assim...
Foi assim...eu já havia
ultrapassado o estágio do esboço de contração, vencido rolinhos embaixo dos
joelhos e tornozelos, sentada no tablado, dorso contra encosto. Já havia
deslocado theraband de todas as cores, deitada na cama do ginásio, tracionando
músculos acionadores, estabilizadores e desaceleradores do movimento da marcha.
Também já havia pedalado, ainda que minhas pernas estivessem amarradas dentro
de botas instaladas nos pedais. Também já havia ficado em pé com os joelhos bloqueados
na mesa mecânica, trabalhado equilíbrio de tronco, com e sem elevação de
braços, ainda que este fosse meu ponto fraco até então. Sentia-me segura o
suficiente para confiar na harmonia e compensação entre as cadeias musculares.
De fato, faltava-me a coordenação de tudo em uma sequência. Então meu terapeuta
funcional falou a frase mágica:
- Vá para as paralelas.
As barras paralelas representam
uma espécie de "corredor da esperança"...um túnel de aproximadamente
três metros para percorrer a pé e tem um espelho do final. Parece uma saída
para esbarrar com quem a gente é. Cabe direitinho, sem mentir, a revelação
"do que te agrada e o que te dói". É onde você dá a cara a tapa, tira
a prova dos nove, faz o acerto de contas...Mas, "é preciso estar tranquilo pra se olhar
dentro do espelho, refletir, o que é... seja você quem for"...enfrentar-se
é necessário, mas sem fingir e sem autossabotagem...teria chegado a hora?
Estaria eu pronta?
- Sério?
Duvidei de mim. Ele fez sim com a
cabeça. Toquei Toruk até a borda da entrada das barras. Travei suas rodas. Ele
prendeu minha cintura em um cinto com alças largas, segurou-as firme na
lateral, pôs-me de pé e não mais me soltou. Apoiei os braços nas barras,
estabilizei o tronco...olhar fixo no chão a frente...medo...
"O medo é uma linha que
separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como um laço que
se aperta em nós
O medo é uma
força que não me deixa andar"
Balbuciei suor e tontura...meu
sangue aquecendo. Vapor ardendo. Os sons emudeceram-se em volta. Slow
motion...sua voz me recomendava algo... eu entorpecida de emoção...
- Pernas semifletidas, tente
sustentar o corpo o máximo sem os braços.
Ele checava a potência da força.
Lancei-me..."por favor não me traiam, segurem-me...não me larguem logo
agora"...apelo arrancado do fundo... muito tremor...inevitável... eu me
inundava de vida e movimento...com a ajuda dele, avancei a passos curtos,
lentos e valentes até a ponta e voltei. Toruk me acolheu no colo...nada falhou. Respiração alterada...Gritei alto por
dentro...por fora merecidas lágrimas sem pudor...silêncio longo...profundo...
mistura de respeito e cumplicidade...
- Pode ir.
Voei dali com Toruk em um pranto bem esperado...minha alegria em segredo...
O contrário do alívio
Depois de duas semanas de lesão, ainda em Natal, recordei-me da rotina de antes: correria, falta de tempo, correção de provas, preparação de aulas, atendimento a alunos a cada passo no corredor da universidade. Intervalos, só nos deslocamentos de um lugar a outro. Adormeci em meio a tantas tarefas tão familiares abandonadas, disputando vaga entre os papéis imaginários sobre a cama. Acordei retorcida e sobressaltada, com a adrenalina queimando o espanto, temperatura explodindo!! "O despertador emperrou, estou atrasada para a aula!!". Antecipo-me com a intenção de retirar-me da cama sem hesitação. O empuxo não decola, minhas pernas desobedecem sem tração. O colchão me gruda e por alguns milésimos de segundos recorro a insistência confusa, atordoada de mover-me. Metade ainda dentro do sono, metade ali, enterrada dentro de um jarro, acenando as hastes e pedindo socorro. Minha testa contrai-se, os olhos apertam o entendimento se rendendo a uma espécie de contrário do alívio. Os lábios imprensados na explicação. Sensação de cair em si. Realidade me buscando de volta, me devolvendo ao colchão de onde sequer removi-me. Despeço-me do gosto nostálgico do sonho para despertar em um pesadelo.
A quoi bon?
A dança lenta dos biombos abraçando as camas intercalando as intervenções privadas. O baunilha do céu confunde trazendo ou levando o dia. Acordamos e adormecemos no meio de um oceano. São 26 sobreviventes de naufrágios diferentes se encontram na mesma ilha de Pandora, olhando o mesmo teto e calando a fala. Ouvimos os ruídos incessantes de tudo em volta. Os chamados se alternam a noite inteira. Meu corpo cansado padece em minha jangada a espera de um resgate. O dia encolhe a fronha, interpõe imagens de dentro e de fora do mundo. Desligo os olhos mais uma vez, tudo arde em volta. Olhares vagos distantes..."os nós que arrebentam, os fios que enlaçam, vontade entre alegria e dor". Antecipo a rotina...um centímetro a mais de flexão, um segundo a mais de resistência, alguns gramas a mais do deslocamento ou na densidade de sustentação. "À quoi bon?"... ("de que adianta"..."para que serve"). A quoi bon mexer minimamente os braços se não se consegue tocar a cadeira? A quoi bon mexer a mão se não se consegue segurar o garfo? A quoi bon segurar o garfo se não consigo fisgar a comida? A quoi bon fisgar a comida se não se consegue levá-la até a boca? A quoi bon mexer as pernas se não consigo andar? A quoi bon existir se não posso viver?
quarta-feira, 20 de julho de 2011
domingo, 17 de julho de 2011
Já dá pra calçar umas havaianas
- Tá sabendo do chá de cadeira
que fizeram na ala B para comprar uma cadeira de rodas pra uma menina?
- Meu abacaxi não está cortado em
rodelas, acho que se enganaram e mandaram em pedacinhos ("abacaxi de
tetra"), quem precisa trocar comigo?
- O professor chegou no ginásio
tirando onda ontem, dizendo que a aula de ballet estava marcada para as 10h.
Tenho que comprar minha sapatilha!
- Aprendi a empinar sem cordinha,
e só não consigo subir o degrau de 15cm.
- Vem que eu te dou uma rasteira!
- Aqui não pode pedir nada
emprestado para não passar bactérias para o outro.
- Solta o braço, tá tocando a
cadeira quem nem DJ!
- Lá no lago tem aula de dança,
basket e canoagem. Mas parece que tem também desfile de moda.
- Pow...beterraba só pode ser bom
pra medula... tem todo santo dia!
- Você está no grupo do passeio
para o zoológico?
- Você viu que aqui dentro tem
uma tela de cinema?
- A água da piscina é fria?
- Tá treinando fechadura com o
adaptador de mão.
- Subir rampa é mais cansativo,
mas descer é mais perigoso.
- Caraca, segunda-feira é o dia
nacional da flatulência! Fala sério! O que vocês comem no final de semana!?
- Da barra com órtese para o
andador, depois pra bengala e de lá para esteira. Tomara que eu consiga!
- Sonhei que todo mundo era
"para" e eu era astro de novela.
- Tem diferença entre bengala e
moleta?
- Muito ruim tomar banho sentado.
- Nunca mais tinha sentido dor
muscular.
- Tive espasmo tão forte que caí
da cama ontem.
- Pode ir se trocar seu short tá
molhado. A sonda deve ter saído.
- O moleque não tem nem braço
completo e nem perna. Ganha de todo mundo lá, faz tudo!
- Eu desmaio quando fico de pé na
prancha mecânica.
- Deixei o rastro no chão, meu
saco vasou.
- 62 dias deitado de bruços, dá
medo de se sentar.
- Depois de meu acidente, todo
mundo dizia que eu voltaria a andar e que Deus ia prover. Faz 11 anos já.
- Odeio quando os outros dizem
que eu vou voltar a andar.
- Agora eu sei quem é mesmo meu
amigo.
- Tô louco pra tomar uma coca
cola.
- Logo que você se acidenta, todo
mundo quer ver você pra conferir. Depois que você não é mais novidade, fica
sozinho mesmo, brigando pra vestir a camisa.
E essa foi minha:
- Meus pés estão mexendo e agora
já dá pra calçar umas havaianas!
Dialeto de Pandora
"PC": não tem nada a
ver com computador, é paralisia cerebral;
"LM": não é produto
para lavajato e sim, lesão medular;
"Vai fazer o
"cat"?": não tem nada a ver com o gato. É simplesmente fazer
cateterismo vesical: introduzir uma sonda na uretra para fazer escoar a urina.
Pode ser assistido (com ajuda de alguém) ou autocateterismo (sozinho);
"Vai te catar?": não é
procurar piolho em si, também não é "vá procurar sua turma". É também
fazer o cateterismo vesical;
"Tá fazendo o catecismo?":
Fazer cateterismo mais uma vez.
"Já tem seu kitcat?":
não é ter um chocolate e sim um conjunto de saco coletor, sonda uretral, sabão
neutro, lubrificante hidrossolúvel e gaze;
"Chegou no
"paredão"? Em "Pandora" isto não significa que você vai ser
fuzilado ou eliminado, mas sim, imaginar que sua alta se aproxima já que sua
cama foi deslocada para perto da parede dos fundos se distanciando do posto de
enfermagem (requerendo menor atenção);
"Carregando a bengala":
Não é levar a bengala de alguém. Significa "andando tão bem que não precisa
da bengala".
"Tá de preparo": tá
fazendo dieta laxante de três dias para fazer uma ultra.
"Já sabe tocar a
cadeira?": Quem não sabe tocar uma cadeira, não é? Mas isto significa
conduzir uma cadeira de rodas. Vamos combinar: é bem melhor que "andar"
de cadeira de rodas, né? Dannnnnn!
"Estar enfezada (o): não é estar com raiva, muito nervoso ou bravo ou coisa parecida...é estar "em fezada"...entende? Pense em fezes... Não queira que eu descreva mais que isso!
sábado, 16 de julho de 2011
Para quem aguentar "ouvir"...
De antemão alerto: o texto de
hoje não se trata de um manual de instruções. Ninguém é obrigado a conhecer as
entranhas do problema, mas se você veio me ler, algum interesse tem e por isso
mesmo vai levar consigo o recado. Não vou me eximir em explicar, nem você vai
se constranger em me "ouvir", ainda que o que eu tenha a dizer seja redundante
ou não totalmente novidade. Não vou encorajar dizendo que o post de hoje é engraçado
ou emocionante. Nada disso. Não vou enganar a você: ele é cru, porém, vital!
Ele pretende desfazer uma série de equívocos que frustram, constrangem e desintegram
a trajetória de quem precisa se reabilitar e de quem está acompanhando o
processo. Se você é humano e vive em sociedade, isso concerne a você também!
Portanto, sente e "ouça" os esclarecimentos sobre alguns equívocos
que dizem por aí:
1. Pandora "não faz ninguém
voltar a andar". Isso faz parte de uma lenda que a própria equipe que
cuida dos Na'vis daqui faz questão de desfazer. Isto porque este reino foi
concebido para tornar funcionais e valorizadas as capacidades que nos restam e a
partir delas devolver dignidade, respeito e qualidade a uma vida adaptada.
Obviamente o centro é composto de uma infraestrutura sem precedentes e um grupo
de profissionais de excelente reputação... mas deixam bem claro desde a
primeira consulta: reabilitar para as capacidades atuais sem mais expectativas.
Por quê?
2. Eles defendem o propósito de
que a recuperação da função medular depende da "espontaneidade" da
própria medula em voltar a reagir. Portanto, quando acontece de um paciente
retomar contrações voluntárias como é meu caso, eles atribuem o resultado ao
despertar da própria medula e não ao trabalho de manuntenção osteomioarticular.
Lógico que o trabalho para manter o organismo em atividade por meio do controle,
higiene, exercícios físicos e demais cuidados é importante para dar condições
de não perder a funcionalidade caso esse despertar aconteça.
3. Eles ou qualquer teoria sobre
a neurologia entendem a medula como um mistério por ser uma extensão do
cérebro. Ela é como um "caule" que parte do cérebro abrigada em um
canal que passa dentro da coluna vertebral indo aproximadamente até o final da
região torácica e início da lombar. Dela partem os nervos por onde levam e
trazem mensagens enviadas do, e para o cérebro. Como exemplo, esses comandos
atingem as funções motoras (mobilidade), sensitivas (sensações de tato,
temperatura...), circulatórias (distribuição do sangue, nutrientes e oxigênio),
vesicais (urina), intestinais (fezes) e sexuais (atividade sexual).
4. A lesão medular se caracteriza
por um dano causado a medula, seja de forma traumática (acidente) ou não
traumática (vírus ou tumores). Quando isto ocorre, há forçosamente uma interrupção
na transmissão dos comandos cerebrais e partes do funcionamento de seu organismo
abaixo da lesão podem estar comprometidas. O grau do comprometimento dessas
funções vai depender não somente do nível da lesão (em que altura da medula se
situa o dano) mas também da intensidade de sua extensão (comprometimento de
todo o diâmetro da medula ou parte dele). "O quanto mudam essas funções
depende de onde e do quanto a medula foi atingida". Isto pode ser de forma
total (lesão completa) comprometendo qualquer movimento voluntário abaixo do
nível da lesão; ou parcial (lesão incompleta) podendo prover movimentos voluntários
ao longo da recuperação. Pode ocorrer lesão não somente por fraturas de
vértebra, mas também perfuração, esmagamento ou choques/pancadas com formação
de edema, como foi meu caso. As pessoas que sofrem lesões situadas na região
cervical (pescoço) são classificadas como tetraplégicas, e da região torácica
para baixo, paraplégicas. Os tetraplégicos em teoria são mais dependentes que
os paraplégicos, mas como disse, a intensidade da lesão também determina a
possibilidade das capacidades. Há tetraplégicos que ficam em pé, por exemplo,
comem e fazem esportes adaptados, mesmo com outras limitações.
5. Da mesma forma não há regras
para o comprometimento sexual. Alguns não são afetados e para outros é
necessário a descoberta de novos estímulos para retomar essas funções. Portanto,
pode ser um engano olhar os "plégicos" como se eles não sentissem
prazer. Mas também isso pouco importa, sabe por quê? Porque na condição de para
ou tetraplegia, a escala de valores da natureza humana se ajusta de uma maneira
particular! Perguntem a um deles se
pudessem escolher, o que seria prioritário, assegurar a função sexual como
antes ou a função vesical ou intestinal? É praticamente unânime a resposta!! Independentemente
do nível de "garanhonismo" do passado, a função sexual ou até a
marcha ficaria em segundo plano. Afinal passar a vida toda introduzindo uma
sonda na uretra a cada 4 ou 6 horas para escoar a urina (cateterismo vesical),
ou transitar com sonda e saco coletor (sonda de demora), ou ainda fazer
manobras para eliminações fecais, requer uma aceitação imposta e uma organização
extrema. E isso não é nada confortável, sem falar no risco de vazamentos. É meu
caro, é sem escolha. Bexiga e intestino cheios e distendidos podem levar a
problemas sérios como a insuficiência renal ou impactação fecal. São casos de
emergência médica.
6. Ainda não terminei: o lesado
medular também corre o risco de abrir úlceras por pressão dos ossos na pele (escaras).
Isto acontece porque o desuso do aparelho locomotor acarreta perda de massa
muscular expondo mais os ossos ao contato prolongado com a superfície que nos
sustenta, quando mantemos o corpo na mesma posição. Além disso, em algumas
lesões há risco de aparecimento de movimentos involuntários de membros
(espasmos) que podem causar quedas entre outras consequências. Portanto quando
virem os "plégicos" moverem partes do corpo que são inertes, não
pensem que é algum espírito habitando um corpo, um encosto, um milagre ou
fingimento. Para isso é necessário
medicação para diminuir os espasmos. Além desse tipo de tratamento, existe a aplicação
de botox para relaxamento dos nervos. Já para evitar trombose (provocada por
problemas circulatórios), tomamos injeção diária ou usamos meias, digamos, especiais.
Temos ainda uma alimentação naturalmente laxante, bebemos muita água,
utilizamos manobras para facilitar o movimento intestinal ou outros
estimuladores, e ainda fazemos exercícios físicos e cuidamos da hidratação da
pele com cremes.
Entendeu por que os heróis sem medalhas merecem mais respeito e prioridade?
sexta-feira, 15 de julho de 2011
Quantos dedos então faltam?
Já tá perto? Vai demorar muito?
Quando eu vou crescer? Com o "tempo" as perguntas mudam, mas ainda
assim ele permanece pano de fundo. Como se mede tudo isso? Pela intensidade do
que se vive? Em segundos, dias, anos? E quantos segundos duram um segundo? Você
sabe?
Não, não...eu não me enganei nem você leu errado. É isso mesmo. O
encontro pode ser curto e ainda assim eterno. E pode ser longo e completamente
inexpressivo. De abril pra cá foram 3 meses de intensa busca, lenta espera, dúvidas,
confrontos, estimativas, julgamentos e transformações.
O nunca e o sempre têm a mesma
duração ainda que em direções contrárias. Será que vale a pena conhecê-los?
Como diria uma voz amiga: "nada é tão longo que (não) seja definitivo ou
imutável. Esse funil à conta-gotas que não preenche, e que tortura. Maltrata
porque nele a expectativa frustra, ainda que a esperança branda amenize.
Remando sobre rodas sem bússola e
sem endereço de destino. Aliás, que destino? Como aquele soldado do livro do
Buzzati que parte à deriva com expectativas para ser lotado em um antigo forte
somente com o dever de velar o deserto. O tempo conta diferente para quem é
livre? O que diria um "presidiário cumprindo sentença"? Um refugiado
encarando o exílio? Um refém enfrentando um sequestro? O tempo parece ser
aquilo que a liberdade sequer vê passar. Ignora qualquer esperança com desdém,
petulância e autossuficiência.
Para saber o que é o tempo, seria
necessário ler o diário de um faroleiro do atol, ouvir com profundidade seu
interesse pelo cotidiano, sentir o tédio murmurar relíquias, aprender a reter
do sussurro do ócio, os detalhes que não se visualiza. O tempo atrasa a
covardia e adianta os impulsos...ele paira levando de volta ou trazendo pra
longe..."tem volta e te cobra... o fim é uma forma de recomeçar". Ele
fere, dissolve e aborta. Só não para e não cura. Definitivamente, não se iluda,
ele não cura...conheço muitos "viventes bem vividos" ainda bem
enfermos.
Porém, o tempo prescreve, e por
isso alivia...se despede de mim e de você sem avisar, amargando remorsos pelos
deslizes e desfalques ou rendendo leveza pela consciência e imunidade. Ele
desprende, decola e retoma "marcando o passo" em sua arritmia. Lembro
que quando pequeno, meu irmão caçula me perguntou quantos dedos das mãos ele
deveria "dormir" até que eu voltasse de onde morava. Demorei tanto no
retorno que ele preferiu dar meu nome a uma plantinha que ele regava todos os
dias esperando minha volta incerta. Não sei dizer quantos dedos contariam seu
sono, nem saberia descrever o vigor daquela plantinha crescendo sob sua
vigilância. Eu só sei que o tempo dedicado a mim, me fez permanecer viva dentro
dele ainda que distante. Quantos dedos então faltam para fechar esse parêntese?
terça-feira, 12 de julho de 2011
As imagens falam por mim
Arquibancada chegando!
Exame ok. Escapei da faca! Bom?
Espero que sim, pois o canal medular foi invadido apesar da medula permanecer
intacta.
- "Evitar esportes de contato
ou impacto". ("Como assim? Ah...entendi...só tênis de mesa, snooker,
pôquer e xadrez, né? E definitivamente tenho que largar meu boxe!!! O que aliás
não deve ser muito difícil já que eu nunca lutei...").
- O Tartaruga já teve alta, mas
ele estava aqui ("Tartaruga? Esse cara só pode tocar a cadeira muito
lentamente pra ter esse apelido).
- Por que Tartaruga? – não
resisti!
- Então, neguinho não se ferra
com história de mergulho em águas rasas, né? – disse meu interlocutor.
- Sim, é até a segunda causa de
lesão medular...mas e daí? – disse eu demonstrando todo meu conhecimento na “área”.
- Daí, o dele foi em águas
profundas, mas aí passou uma tartaruga bem na hora e ele tascou a cabeça no
casco dela. Resultado: lesão alta, tetra!
- Sério!!!!? ("Não acredito
nisssssssssssssso!! Caraca, não é possível!!!!").
- Pior é que é verdade! – disse
ele com um certo ar de quem pensa "Pois é, quem consegue prevenir uma
coisa dessas!!?
- Muito azar...minha nossa! – disse
eu sem “realizar” o fato!
- Pior foi o cara da manga – completou
em seguida. ("Humrum...peraí, cara da manga? Como assim!!!? Engoliu o
caroço? Teve falta de ar seguida de parada respiratória que acarretou paralisia
cerebral e comprometeu a medula!!?")
- O que tem ele? – não resisti
novamente!
- Diz que uma manga caiu na
cabeça dele. Resultaaaaaaaaado: Lesão alta, tetra!
- Não, aí você tá brincando né?
("Surreal! Só pode ter sido uma manga rosa!!! Uma manguita jamais seria
tão maligna!!!!").
- Tô nada, é sério! Parece mentira, mas não é... (Pensei "E eu então o que sou? No mínimo devo ser "Arquibancada!!!”, né? Tipo: olha quem vem ali, arquibancada chegando!").
domingo, 10 de julho de 2011
O ruim que pode piorar ou a esperança que morre por último?
sexta-feira, 8 de julho de 2011
Um dia de cada vez
quinta-feira, 7 de julho de 2011
Parte da rotina
sexta-feira, 1 de julho de 2011
Minha melhor versão: só cinéfilos entenderão!
Nunca tive super herói
preferido... lembro que eu amava os braceletes da mulher maravilha, a audição
da mulher biônica e o nado do homem do fundo do mar. Mas na minha imaginação me
vesti na pele de muitos deles...já imobilizei bandidos, escolhi a cor exata
para cortar o fio da bomba, desarmei minas, manobrei duas ou quatros rodas a
toda velocidade, conduzi hélices ao redor do mundo, arqueei asas para chegar a
tempo e evitar acidentes...já lutei contra dragões, cowboys e robôs...sangue,
suor e lágrimas...corri no escuro mais que o Forrest Gump, escalei montanhas,
nadei em correntezas...é... já fiz tudo isso me imaginando salvar o mundo como
a Amélie Poulain em seu Fabuloso destino...Hoje estou eu aqui...vestida de
Na'vi domando "Toruk" (minha cadeira de rodas)... com minha
bioluminescence armada de tinta para refazer as arestas, afiando o punho para
reescrever histórias em meu avatar...abro meu "álbum de
recortes"...uma espécie de memória em imagens que se eternizaram...o que
eu faria diferente? Deu vontade mesmo de recolorir "A lista de
Schindler"... fazer o Toto quebrar o combinado com o Alfredo e reatar os
laços visitando Giancaldo de vez em quando em "Cinema Paradiso". Eu refaria
uma nova versão da máquina de apagar memórias para ter um "Brilho eterno
de uma mente sem lembranças"...mas suprimiria somente as lembranças ruins.
Eu gritaria palavras de amor na chuva do alto do entulho de ferro para ecoar no
abismo da "Hora de voltar". Eu teria salvado Christopher do abrigo
daquele ônibus em "Natureza selvagem"...ele teria voltado a tempo,
antes daquela inundação. Eu teria comido todos os dias aquela torta que ninguém
queria em "My blueberry nights", sem precisar esquecer para sempre as
chaves de casa com o barman. Eu não teria deixado Hansard partir sem saber a
tradução da resposta da Irglová em eslocavo (MILUJU TEBE) para a pergunta
"você o ama?" era exatamente "eu amo você" em "Apenas
uma vez". Eu entregaria em mãos aquela carta jamais lida "No amor e
na guerra" para descobrir como tudo teria sido se ela tivesse chegado a
seu destino. Eu teria insistido para o Esposito não privar "O segredo de
seus olhos" e confessar seu amor a Irene naquela despedida. E "Quem
quer ser um milionário" pagando cada resposta com um sofrimento vivido? Eu
teria promovido o encontro no pós-guerra naquele campo de capturados entre
aquele militar alemão e Wladyslaw, "O pianista" polaco salvo pelo
encantamento de sua música, por que não? Eu teria provocado o reencontro do
Daigo Kobayashi e seu pai antes de seu acondicionamento na "A
Partida"... eu encontraria um exoesqueleto ou a solução das células tronco
para o Bauby sair de seu "O escafandro e a borboleta". Eu teria
retirado aquele obstáculo no meio do mergulho do Ramón Sampedro de "Mar
adentro" e aquele banco vermelho que aparou a queda da "Menina de
ouro" no ringue...eu teria refeito algo para ter um outro fim, um outro
gosto, uma dor mais amena...talvez mais justo ou inusitado...ou pelo menos mais
feliz... mas talvez, alterar o trajeto da vida, transformaria a mágica de todas
essas histórias...e perderia o sentido. E eu, em minha versão... será que
valeria ter modificado?
O significado da espera
Teto de concreto, vigas
delineadas. Eu, acomodada em minha forma, alojada em uma caixa de abelhas com
janelinhas de favo de mel. Telefones soam, murmurinho de vozes, rodas dos
carrinhos dos lençóis, passos sapateiam desfilando os descartes, bandejas
removidas com os restos, alavancas rocam rebaixando as camas, cadeiras rugem
suas rodas orquestrando a sinfonia da enfermaria. Lá fora os letreiros acordam
nos prédios anunciando precocemente a escuridão. A quietude me abranda, a
música apaga em mim desligando os olhos. Acendem-se cenas na minha tela
interior.
Penso na história da espera do
soldado pela princesa que o Alfredo contou para o Toto em Cinema Paradiso...
Alfredo: Era uma vez, um soldado que
se apaixonava pela bela filha do Rei e que lhe confessa não poder viver sem
ela. Mas como o soldado teria chance de casar-se com a filha do Rei? Como prova
desse sentimento, ela pede para ele esperar 100 dias e 100 noites embaixo da
sacada de sua janela. Com chuva, vento, neve, surrado por pássaros e abelhas, ele
estava lá, sem se mover, a esperar, “passoapassodiadia”, sob o olhar vigilante
da princesa. Depois de 90 dias, ele estava todo ressecado, rachado das intempéries,
sem forças e ela, a espreita, a olhá-lo. No 99º dia, ele se levantou e partiu ...
Toto: Mas por quê? Ele estava tão
perto?
Alfredo: não me pergunte o
significado, eu não sei.
Lembrei do primeiro livro de verdade que li na vida:
“O menino do dedo verde” do Maurice Druon. Nesse livro havia uma frase que
dizia: “é sempre perigoso zangar-se com aquilo que não se compreende”. Eu não
entendia essa frase. Eu li esse livro quando eu tinha 6 anos. Perguntei a minha
mãe o que aquilo queria dizer. Ela disse que quando eu fosse mais velha, entenderia.
Lembro de ter ficado bem chateada, porque se não era um livro para eu entender
naquele momento, ela não poderia ter me dado de presente. Decorei a frase só de
vingança e de vez em quando eu checava se eu já era mais velha o suficiente
para entender. Sem querer, aquilo começou a ser um marco referencial de
maturidade. Mas o tempo passou e eu fui me desligando dessa missão.
Mais tarde, já adulta quando
morava em Brasília, um vendaval desses da vida estava acontecendo e me aconselharam
contratar um cara para fazer meu mapa astral. No dia em que ele foi me apresentar
o resultado, eu queria anotar tudo e ele disse:
- Não se preocupe em anotar. Você só vai reter
o que fizer sentido para você agora e o que fizer sentido agora você nem vai
precisar anotar porque vai entender de imediato. Se
você precisar anotar o que não entender, a própria falta de sentido vai
descartar de sua memória. Vai chegar um momento em que as peças vão
se encaixar e sua interpretação dos fatos vai ganhar plenitude.
Nesse momento, eu tive a
impressão de ter um déjà vu. Era a história do livro “O menino do dedo verde”.
A frase veio imediatamente à memória e eu a entendi perfeitamente. Saí rindo.
Na história do soldado contada
pelo Alfredo, ainda não chegou o tempo de minha maturidade para entendê-la e
não sei por que tenho lembrado dela por esses dias. Talvez porque tudo toma
forma em um momento e se desfaz no seguinte. Talvez por haver um frágil contorno
na linha tênue da vida, e nesse processo somente as incertezas são tão seguras.
Reflito sobre o mistério que a demora constrói dentro da gente. Tantos
desistindo porque o fim talvez perca o sentido.